Há
também uma outra forma muito curiosa de argumento moral, que é a
seguinte: diz-se que a existência de Deus é necessária para que
haja justiça no mundo. Na parte do universo que conhecemos há muita
injustiça, e com frequência os bons sofrem e os maus prosperam, de
modo que é difícil saber qual alternativa é mais irritante; mas,
se vamos ter justiça no universo como um todo, é necessário supor
que existirá uma vida futura para compensar o equilíbrio aqui na
terra. Assim, dizem que é necessário existir um Deus, e que devem
existir céu e inferno para que a longo prazo haja justiça. Esse é
um argumento muito curioso. Se o assunto for examinado do ponto de
vista científico, pode-se dizer: “Afinal de contas, eu só conheço
este mundo. Não conheço o restante do universo, mas, até onde for
possível argumentar no que diz respeito a probabilidades, seria
possível dizer que este mundo provavelmente é uma boa amostra e
que, se há injustiça aqui, há chance de que também exista
injustiça em qualquer outro lugar”. Suponhamos que uma pessoa
recebeu um caixote de laranjas e, ao abri-lo, percebeu que todas as
laranjas da parte de cima estão podres; nesse caso, ninguém
argumentaria: “As de baixo devem estar boas, para compensar o
equilíbrio”. A pessoa diria: “Provavelmente todas estão
estragadas”; e é esse, realmente, o argumento que uma pessoa com
espírito científico faria em relação ao universo. Ela diria:
“Aqui neste mundo encontra-se uma grande quantidade de injustiça
e, nessa medida, há razão para supor que a justiça não reina no
mundo; portanto, há espaço para o argumento moral contrário à
divindade, e não a favor dela”. Claro que eu sei que o tipo de
argumento intelectual de que falei não é verdadeiramente aquilo que
impulsiona as pessoas. O que realmente as impulsiona a acreditar em
Deus não é absolutamente nenhum argumento intelectual. A maior
parte delas acredita em Deus porque foi ensinada desde a primeira
infância a fazê-lo, e essa é a razão principal.
Ademais,
penso que a razão mais forte que vem a seguir é o desejo de
segurança, uma espécie de sensação de que existe um irmão mais
velho a zelar por nós. Isso desempenha um papel profundo na
influência do desejo de crer em Deus.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
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