Dois
pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao
lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas
um podia olhar lá fora.
Junto
à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o
crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o
que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um
cachorro ergue a perninha no poste.
Mais
tarde:
— Uma
menina de vestido branco pulando corda.
Ou
ainda:
— Agora
é um enterro de luxo.
Sem
nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou
morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da
janela.
Não
dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não
revelava tudo.
Cochilou
um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o
pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.
Dalton
Trevisan,
in Mistérios
de Curitiba
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