Pode
confiar na mulher que nunca joga fora o xampu quando termina. Porque
nunca acha que termina.
São
vários potes no box do banheiro. Uma milícia de cheiros. A maior
parte com um resto luminoso. Alguns virados para facilitar a saída
desesperada da fragrância.
*
* *
Um
homem, diante daquela lágrima de cisne, não teria piedade e
colocaria no lixo.
Não
sem razão. É uma sobra simbólica que apenas se mexeria colocando
água. Uma massa imóvel, que mal treme. O conteúdo não presta nem
para dois enxágues. Para chorar um pouco no pulso, depende de tapas
na bunda do pote. Todo xampu velho é um bebê nascendo.
*
* *
Mas
ela não descarta. Pensa que aquilo que não perfuma seus cabelos é
ainda capaz de perfumar suas mãos.
Permanece
com a esperança de que um dia terá uma emergência e ele será
útil. Para seus olhos, nada está inteiramente morto, nada está
inteiramente esgotado.
Contribuem
para sua crença as brincadeiras de faz de conta na infância, a sopa
de folhas e o refrigerante de terra. Não depende de muito para
seguir vivendo, pede um mínimo de realidade; acostumada a sempre
completar por sua conta.
*
* *
Não
existe paciência, somente fé. Mais da metade de um marido bom é
imaginação feminina.
*
* *
A
mulher que não joga o xampu fora não jogará nenhum homem fora. A
menos que ele esteja seco por dentro, acabado, sem nenhuma emoção
para oferecer, consumido pelo silêncio da esponja. Ela eliminará o
sujeito de sua vida após várias tentativas, até se convencer de
que ele não rende nem mais espuma. Nem mais passado.
*
* *
O
que me leva a concluir que quem pensa demais não faz, não se
arrisca, não se entrega. O pré-requisito é criado para impedir que
mudanças aconteçam.
É
necessário ser imaturo para amar. É necessário ser imaturo para
engravidar. É necessário ser imaturo para juntar as tralhas e
pertences, construir uma casa em comum, e seguir ameaçado pelo humor
do próximo.
Merece
o amor quem trabalha por ele, quem sofre por ele, quem não quis ser
mais inteligente do que sensível, quem é absolutamente idiota para
sacudir um pote de xampu já findo.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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