Já
o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e
convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras
de Tartufo:
La
maison est à moi, c'est à vous d'' sortir.
Mas
é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo
que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É
sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha.
Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de
vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que
esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso,
houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a
adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da
intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se
contentava com um cantinho no sótão.
-
Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos,
cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do
sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.
-
Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um
mistério...
-
Que mistério?
-
De dois, emendou a Sandice; o da vida e o da morte; peço-lhe só uns
dez minutos.
A
Razão pôs-se a rir.
-
“Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre
a mesma coisa”.
E,
dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois
entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, ainda
grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua
de fora, em ar de surriada, e foi andando... foi andando...
Provavelmente andará até a consumação dos séculos.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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