As
horas abertas são quatro: meio-dia, meia-noite, anoitecer e
amanhecer. São as horas em que se morre, em que se piora, em que os
feitiços agem fortemente, em que as pragas e as súplicas ganham
expansões maiores. Horas sem defesa, liberdade para as forças
malévolas, os entes ignorados pelo nosso entendimento e dedicados ao
trabalho da destruição.
As
aberturas do corpo não são as verdadeiras entradas para
esses inimigos constantes e misteriosos, e sim outros pontos diversos
que instintivamente resguardamos: os pulsos, o pavilhão auricular, o
pescoço, entre os dedos, os jarretes, a fronte. Por isso é que as
joias foram inventadas, ocultando no exterior ornamental a intenção
secreta da custódia mágica. Colares, brincos, pulseiras, anéis,
diademas, os enfeites para os cabelos, argolas para as pernas,
tornozelos, são guardas vigilantes, repelindo as sucessivas ondas
assaltantes que tentam por essas regiões, onde a pele dizem ser mais
fina, permitindo a penetração insidiosa.
As
horas abertas correspondem a essas vias de acesso ao corpo
humano. São horas diversas de pressão e desequilíbrio atmosférico,
predispondo os estados mórbidos às modificações letais.
Em
1944, na residência de Batista Pereira, na Gávea, o Prof. Anes
Dias, da Faculdade de Medicina, perguntou-me quais eram, para o povo,
as chamadas horas abertas. Ouvido a exposição, enumerou os
elementos da meteorologia médica suscetíveis de haver motivado a
tradição. Lembrei que certos remédios, notadamente os purgativos,
jamais são ingeridos fora de um horário rigoroso, evitando as horas
abertas, ameaçadoras. Jaime Cortesão, presente, recordou a
mesma crença em Portugal, possuindo os seres fabulosos e apavorantes
que aparecem, invariavelmente, nessas horas sinistras.
Foram
clássicos os vocábulos, em trezentos anos de uso, ligados à
superstição, aramá, eramá, ieramá, muitieramá,
significando em hora má. Na ambivalência natural, meia-noite
e meio-dia prestam-se às rogativas benéficas, mas constituem
exceção. As orações e pragas nessas horas são apelos violentos,
irresistíveis, obrigando a obediência divina.
Comum
e popularmente, a hora má é a hora aberta.
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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