sábado, 27 de janeiro de 2018

Muito irritante

Os homens são irritantes. Mas involuntários. Nem têm consciência de quando incomodam e como incomodam, e ainda se sentem vítimas de ciladas femininas.
É precisamente não saber o que fizemos de errado o que irrita as mulheres. E elas pensam que estamos fingindo.
Mas não, não sabemos mesmo. Não é encenação.
É que repetimos as mesmas falhas e não aprendemos, e elas não entendem como não assimilamos a lição na primeira ou segunda tentativa; daí concluem que simulamos bobeira para passar bem, que a dúvida é uma fachada sonsa, uma falsidade ingênua, acobertando um poço de maldade viva e faminta.
Acompanhe meu raciocínio: não há sentido em pedir desculpa por aquilo que não registramos. Somos esquecidos, apenas isso. Totalmente amnésicos.
As mulheres deveriam nos agradecer pelos lapsos de memória. Imagina se tivéssemos consciência de nossas irritações para irritar as mulheres ainda mais. Seríamos pais de Maquiavel, avôs de Cardeal Mazarino, bisavôs de Barba Negra.
Olha só o que acontece comigo: apresso a minha mulher para sairmos, digo que ela depende de uma hora e apenas faltam quarenta minutos para o trabalho. Ela corre alucinada com o estojo de pintura, o secador, os cabides, eu permaneço lendo jornal. Ela atravessa os corredores com um monte de roupas, equilibrando o iogurte numa das mãos e a agenda noutra, eu permaneço lendo jornal. Vou gritando “Está pronta?” a cada mudança de editoria, como um cronômetro afetivo, para recordar-lhe que estou atento e demonstrar interesse. “Pronta?” a cada dez minutos, quatro vezes no total.
A voz chicoteia o tempo, o propósito é criar um delírio militar, afobado, estressante, para ajudá-la a se superar e merecer elogios ao final. Por evitar o atraso, o homem jura que receberá um emocionado agradecimento.
Quando ela se apronta, finalmente linda, maquiada, cabelos secos, cheirosa, após cumprir o impossível de quarenta minutos, exatos quarenta minutos!, fecho o jornal e aviso que vou tomar banho.
Mas um banho rápido, tá? Para não nos atrasar?
Acelero minha esposa quando não estou vestido porque deduzo que sou rápido e ela lenta, sobrecarregada de miudezas e detalhes.
Cínthya bufa de raiva, bate o pé para não me enforcar com o próprio cinto de lantejoulas.
É que o homem sempre tem uma defesa mirabolante quando a vida pede uma resposta simples. Além de nossa esquisita mania de não acreditar no inconsciente.
Fabrício Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus

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