Os
homens são irritantes. Mas involuntários. Nem têm consciência de
quando incomodam e como incomodam, e ainda se sentem vítimas de
ciladas femininas.
É
precisamente não saber o que fizemos de errado o que irrita as
mulheres. E elas pensam que estamos fingindo.
Mas
não, não sabemos mesmo. Não é encenação.
É
que repetimos as mesmas falhas e não aprendemos, e elas não
entendem como não assimilamos a lição na primeira ou segunda
tentativa; daí concluem que simulamos bobeira para passar bem, que a
dúvida é uma fachada sonsa, uma falsidade ingênua, acobertando um
poço de maldade viva e faminta.
Acompanhe
meu raciocínio: não há sentido em pedir desculpa por aquilo que
não registramos. Somos esquecidos, apenas isso. Totalmente
amnésicos.
As
mulheres deveriam nos agradecer pelos lapsos de memória. Imagina se
tivéssemos consciência de nossas irritações para irritar as
mulheres ainda mais. Seríamos pais de Maquiavel, avôs de Cardeal
Mazarino, bisavôs de Barba Negra.
Olha
só o que acontece comigo: apresso a minha mulher para sairmos, digo
que ela depende de uma hora e apenas faltam quarenta minutos para o
trabalho. Ela corre alucinada com o estojo de pintura, o secador, os
cabides, eu permaneço lendo jornal. Ela atravessa os corredores com
um monte de roupas, equilibrando o iogurte numa das mãos e a agenda
noutra, eu permaneço lendo jornal. Vou gritando “Está pronta?”
a cada mudança de editoria, como um cronômetro afetivo, para
recordar-lhe que estou atento e demonstrar interesse. “Pronta?” a
cada dez minutos, quatro vezes no total.
A
voz chicoteia o tempo, o propósito é criar um delírio militar,
afobado, estressante, para ajudá-la a se superar e merecer elogios
ao final. Por evitar o atraso, o homem jura que receberá um
emocionado agradecimento.
Quando
ela se apronta, finalmente linda, maquiada, cabelos secos, cheirosa,
após cumprir o impossível de quarenta minutos, exatos quarenta
minutos!, fecho o jornal e aviso que vou tomar banho.
— Mas
um banho rápido, tá? Para não nos atrasar?
Acelero
minha esposa quando não estou vestido porque deduzo que sou rápido
e ela lenta, sobrecarregada de miudezas e detalhes.
Cínthya
bufa de raiva, bate o pé para não me enforcar com o próprio cinto
de lantejoulas.
É
que o homem sempre tem uma defesa mirabolante quando a vida pede uma
resposta simples. Além de nossa esquisita mania de não acreditar no
inconsciente.
Fabrício Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
Nenhum comentário:
Postar um comentário