John
Bante foi submetido a mais uma operação, outra operação. Haviam
começado o processo todo ao lhe cortarem um pé, depois o outro.
Depois foram seguindo pernas acima. Creio que ele teria morrido caso
não se submetesse a esses procedimentos, mas esta escolha não me
parecia muito melhor do que a primeira.
Mary
me ligou dizendo que ele estava de volta em casa e que gostariam que
fôssemos jantar com eles.
– Vamos
beber um pouco de vinho – ela me disse. Marcamos uma data.
Quando
chegamos, Bante já estava sentado à mesa. Estava na cadeira de
rodas. Aquilo foi muito mais agradável do que vê-lo estendido sob
um lençol. Seu filho, Harry, e a mulher dele, Nana, também tinham
comparecido. Mary nos apresentou. Sentamos e Mary nos serviu de
vinho.
– Vou
tomar um cálice com você, Chinaski – disse John.
– É
uma honra...
Erguemos
as taças.
– Que
tal o gosto, Chinaski?
– Está
ótimo, Bante.
– Harry
e Nana têm lido seus livros. Agora estão viciados.
–
Recebi meus ensinamentos de um mestre, um
tal John Bante.
– Você
teria conseguido, de um jeito ou de outro.
– Tomei
emprestado parte do seu estilo. Mas, diabos, nossos conteúdos são
diferentes, John. Você escreve como uma boa alma; eu tenho um lado
mais cretino.
– Você
está certo. Tome um pouco mais de vinho. Mary, cuide para que
Chinaski seja bem servido.
Em
seguida, Mary, auxiliada por Nana, trouxe o jantar. Nana havia feito
a comida. O jantar foi preparado com capricho. Comemos sem alarde,
fazendo breves comentários. Então terminamos e mais vinho foi
servido.
– Vou
tomar mais um cálice com você, Chinaski! Esta é minha grande
noite!
– Mas
tem que ser o último mesmo – disse Mary.
– Ouvi
dizer que vocês circulam ali pelo Musso’s – disse John.
–
Costumávamos ir lá uma vez por semana
quando morávamos para aqueles lados – disse Alta. – Agora que
estamos em San Pedro, não vamos tão seguido.
– Vocês
deviam tentar o Chasen’s – disse Bante.
– Muito
chique para mim – admiti.
John
estava na segunda taça de vinho. Era como se ressurgisse. Achei isso
ótimo. Eu podia sentir a vida retornando ao seu corpo.
– Eu
ia muito ao Musso’s. Certo dia, estava sentado numa mesa
quando meu escritor favorito entrou. Big Red. Você sabe quem era Big
Red?
–
Não...
–
Sinclair Lewis.
– Jesus
Cristo!
– Mas
eu não disse mais nada além disso. Sinclair Lewis não estava na
minha lista.
– Ei,
o que é isso que você está fumando? Tem um cheiro engraçado!
– É
um cigarro que vem da Índia. Não tem nicotina, mas vai muito bem
com vinho.
– Posso
fumar um?
Olhei
para Mary. Ela me acenou um “sim”. Acendi um e coloquei-o em sua
mão. Alta fez a volta com um cinzeiro.
– Aqui
está o cinzeiro, John. Consegue sentir?
– Sim,
obrigado. Como eu ia dizendo, estava lá sentado e Big Red entrou.
Veja bem, era como enxergar um Deus, está entendendo?
– Sim,
claro – respondi.
– O
que importa é que ele sentou numa mesa com essas duas mulheres e
eles fizeram o pedido. Eu era só um garoto, sabe, e estava ali...
sentado no mesmo ambiente que Sinclair Lewis... Trouxeram-lhe uma
garrafa de vinho e ele e as mulheres beberam. Ali estava ele, sentado
tão perto, Big Red. Parecia uma coisa impossível. Não queria
incomodá-lo. Tentei me conter, mas não consegui. Eu estava lá
sozinho. Tinha um caderno comigo e fingia trabalhar num roteiro de
cinema. Mas odiei aquilo. Havia muitas páginas em branco. Arranquei
uma delas e caminhei na direção de Sinclair Lewis. Parei diante de
sua mesa. Ele falava com uma das mulheres... Acho que o cigarro
indiano apagou...
Alta
se levantou e reacendeu o cigarro com o isqueiro.
–
Qualquer coisa apagam, sabe, é que não
têm produtos químicos.
–
Obrigado, Alta... Mas como eu ia dizendo,
fiquei ali parado e disse: “Me perdoe, sr. Lewis...” Ele olhou
para cima. As mulheres também me olharam. “Sou escritor. Meu nome
é John Bante. Há muito tempo que o senhor é meu escritor favorito.
Não quero, de modo algum, incomodá-lo, mas aqui estou. Gostaria de
saber se o senhor me daria seu autógrafo nesta folha de papel?”
Houve
uma pausa. John tomou o último gole de seu vinho. Era como se ele
estivesse de volta ao Musso’s, plantado diante da mesa de
Big Red. Então continuou:
–
Sinclair Lewis agiu como se eu não
estivesse ali. Ignorou o pedaço de papel que eu lhe estendia e
começou a conversar com as mulheres novamente.
– Mas
que filho da puta!
–
Voltei para a minha mesa e fiquei
pensando no que tinha acontecido. Quanto mais eu pensava, pior me
sentia. Big Red me dera um gelo. Chamei o garçom e paguei minha
conta. Então voltei até a mesa de Lewis. Ele olhou para mim.
“Escute, seu merda, sou publicado pela mesma editora que você.
Talvez L. H. Renkin ficasse feliz em saber o cretino que você é!”
Então caminhei em direção à saída. Dei uma olhada para trás e
vi que ele se levantava da mesa para me seguir. Saí em direção à
rua de trás, pulei no meu carro e me escondi. Vi quando ele surgiu
correndo, à minha procura. Ele parecia aterrorizado. Mas não tinha
jeito de ele me achar. Ficou parado por algum tempo, depois voltou
para dentro. Tinha feito ele se borrar nas calças!
Charles
Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho
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