O
amor foi à função, bebeu, cantou e bailou, estava muito excitado,
tiveram de levá-lo para casa e prendê-lo no quarto para que
repousasse. No dia seguinte o amor cantou e bailou sem beber, e era
sempre primavera nos seus modos e falas. O amor viajou, voltou, fazia
piruetas, trocadilhos, esculturas, criava línguas e ensinava-as de
graça. Todos o queriam para companheiro, paravam de guerrear para
abraçá-lo, jogavam-lhe moedas que ele não apanhava, gerânios que
ele oferecia às crianças e às mulheres. O amor não adoecia nem
ficava mais velho, resplandecia sempre, havia quem o invejasse, quem
inventasse calúnias a seu respeito, o amor nem ligava. Cercaram sua
casa de madrugada, meteram-lhe a cabeça num saco preto,
conduziram-no a um morro que dava para o abismo, interrogaram-no,
bateram-lhe, ameaçaram jogá-lo no precipício, jogaram. O amor caiu
lá embaixo aos pedaços, mas se recompôs e foi preso outra vez,
aplicaram-lhe choques elétricos, arrancaram-lhe as unhas, os dedos,
o amor sorria e quando não podia mais sorrir gritava numa de suas
línguas novas, que não era entendida. E desfalecendo voltava à
consciência, e torturado outra vez, era como se não fosse com ele.
Quebraram o amor em mil partículas, e ninguém pôde ver as
partículas. Foi sepultado normalmente no fim do mundo, que é para
lá da memória. Ninguém o localizou, mas todos falavam nele, o amor
virou um sonho, uma constelação, uma rima, e todos falavam nele, e
ressuscitou ao terceiro dia.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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