quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Então era ele


Era meia-noite e lá fora o ruído da água apagava todos os sons.
Susana San Juan levantou-se devagar. Endireitou o corpo lentamente e se afastou da cama. Lá estava outra vez o peso, em seus pés, caminhando pelas beiradas de seu corpo; tratando de encontrar sua cara:
É você, Bartolomé? — perguntou.
Achou que ouviu a porta gemer, como quando alguém entrava ou saía. E depois só a chuva, intermitente, fria, rodando sobre as folhas das bananeiras, fervendo em sua própria fervura.
Dormiu e não despertou até que a luz iluminou os tijolos vermelhos, borrifados pelo orvalho entre a manhã cinza de um novo dia. Gritou:
Justina!
E ela apareceu em seguida, como se já tivesse estado ali, envolvendo seu corpo num cobertor.
O que você quer, Susana?
O gato. Veio outra vez.
Coitadinha de você, Susana.
Recostou-se sobre seu peito, abraçando-a, até que ela conseguiu levantar aquela cabeça e perguntou:
Por que você chora? Vou dizer a Pedro Páramo que você é boa para mim. Não contarei nada dos sustos que seu gato me dá. Não fica assim, Justina.
Seu pai morreu, Susana. Anteontem à noite morreu, e hoje vieram dizer que não há nada a ser feito; que já foi enterrado; que não puderam trazê-lo até aqui porque o caminho era muito longo. Você ficou sozinha, Susana.
Então era ele — e sorriu. — Veio se despedir de mim — disse, e sorriu.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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