segunda-feira, 3 de julho de 2017

O tempo e os tempos

Na idade em que eu fazia umas ficções — é o termo — um dia o Erico me disse, naquela sua maneira discreta e indireta de dar conselho: deve-se escrever sempre no presente do indicativo, dá mais vida à ação, às personagens, o leitor se sente como uma testemunha ocular do caso.
Trinta e seis anos depois, o crítico Fausto Cunha notou a preferência, em meus poemas, pelo pretérito imperfeito. Por quê? Não sei, mas deve ser porque o tempo passado empresta às coisas um sabor definitivo, esse misterioso sentimento de saudade com que a gente olha uma cena num quadro de Renoir, um Anjo ou uma Vênus de Botticelli. Sem escusar-me, eu diria que o pretérito imperfeito não é um tempo morto: é um tempo continuativo...
Porém, deixemos de bizantinismos e voltemos ao Erico. Confesso-lhe que sempre penso nele no presente do indicativo. Ele está aqui, tão presente que nem dá tempo para a saudade. Como também estão comigo o Augusto Meyer, o Telmo Vergara, a Cecília...
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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