Hans
Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de contar
estórias. Vou recontar a sua estória do rei vaidoso que gostava de
roupas bonitas com dois finais: o dele e o meu. “Havia um rei muito
tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos gostam de roupas bonitas.
Ele enviava emissários por todo o país para comprar roupas
diferentes. Chegou ao cúmulo de mandar tecer uma faixa real nova com
fios de ouro. Dois espertalhões ouviram falar da vaidade do rei e
resolveram aproveitar-se dela para se enriquecer. Dirigiram-se ao
palácio e anunciaram-se: ‘Somos especialistas em tecidos mágicos’.
O rei nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou
que os dois fossem trazidos à sua presença. ‘Falem-me sobre o
tecido mágico’, ordenou o rei. Um dos espertalhões pôs-se a
falar: ‘Majestade, o tecido que tecemos é mágico porque somente
as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo uma roupa feita com
esse tecido Vossa Majestade saberá se aqueles que o cercam são
inteligentes ou não’. O rei imediatamente contratou os dois
espertalhões. Passados alguns dias, o rei mandou chamar o ministro
da Educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O ministro
dirigiu-se ao aposento onde os tecelões trabalhavam. ‘Veja,
Excelência, a beleza do tecido’, disseram eles com a mãos
estendidas. O ministro da Educação não viu coisa alguma e entrou
em pânico. ‘Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...’
Resolveu, então, fazer de conta que era inteligente. Voltou à
presença do rei e relatou: ‘Majestade, o tecido é maravilhoso’.
O rei ficou muito feliz. Passados dois dias, o rei convocou o
ministro da Guerra e ordenou-lhe examinar o tecido. Aconteceu a mesma
coisa. ‘Meu Deus’, ele pensou, ‘não sou inteligente. O
ministro da Educação viu e eu não estou vendo...’ Resolveu
adotar a mesma tática do ministro da Educação. E o rei ficou muito
feliz com o seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros
ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido
maravilhoso. Não vendo coisa alguma, ele pensou: ‘Os ministros da
Educação, da Guerra, das Finanças, da Cultura, das Comunicações
viram. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles
saibam da minha burrice...’. O rei se entregou então a elogios
entusiasmados sobre o tecido que não havia. Marcou-se uma grande
festa para que todos os cidadãos vissem o rei em suas novas roupas.
No Dia da Pátria, a praça do palácio cheia de homens e mulheres,
tocaram-se os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:
‘Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua
inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a
roupa que só os inteligentes podem ver’. Canhões dispararam uma
salva de seis tiros. Rufaram os tambores. Abriram-se os portões do
palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova. Foi aquele oh!
de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do
rei! Todos eram inteligentes. No alto de uma árvore estava um menino
que via com seus olhos ignorantes. Não viu roupa nenhuma. O que viu
foi o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e
as vergonhas dependuradas. Com uma gargalhada, deu um grito que a
multidão inteira ouviu: ‘O rei está pelado!’. Fez-se um
silêncio profundo, seguido por uma gargalhada mais ruidosa que a
salva de artilharia. E todos se puseram a gritar: ‘O rei está nu,
o rei está nu...’. O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos
e voltou correndo para dentro do palácio.” Agora vou contar a
mesma estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão
de Andersen, até o momento do grito do menino. “O rei está
pelado!” Fez-se um silêncio profundo, seguido pelo grito da
multidão enfurecida. “Menino louco! Não vê a roupa nova do rei!
Menino burro!” Com estas palavras agarraram o menino e o internaram
num manicômio. Moral da estória: Em terra de cego, quem tem um olho
não é rei. É doido.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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