domingo, 16 de julho de 2017

As roupas do rei

Hans Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de contar estórias. Vou recontar a sua estória do rei vaidoso que gostava de roupas bonitas com dois finais: o dele e o meu. “Havia um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos gostam de roupas bonitas. Ele enviava emissários por todo o país para comprar roupas diferentes. Chegou ao cúmulo de mandar tecer uma faixa real nova com fios de ouro. Dois espertalhões ouviram falar da vaidade do rei e resolveram aproveitar-se dela para se enriquecer. Dirigiram-se ao palácio e anunciaram-se: ‘Somos especialistas em tecidos mágicos’. O rei nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua presença. ‘Falem-me sobre o tecido mágico’, ordenou o rei. Um dos espertalhões pôs-se a falar: ‘Majestade, o tecido que tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo uma roupa feita com esse tecido Vossa Majestade saberá se aqueles que o cercam são inteligentes ou não’. O rei imediatamente contratou os dois espertalhões. Passados alguns dias, o rei mandou chamar o ministro da Educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões trabalhavam. ‘Veja, Excelência, a beleza do tecido’, disseram eles com a mãos estendidas. O ministro da Educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. ‘Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...’ Resolveu, então, fazer de conta que era inteligente. Voltou à presença do rei e relatou: ‘Majestade, o tecido é maravilhoso’. O rei ficou muito feliz. Passados dois dias, o rei convocou o ministro da Guerra e ordenou-lhe examinar o tecido. Aconteceu a mesma coisa. ‘Meu Deus’, ele pensou, ‘não sou inteligente. O ministro da Educação viu e eu não estou vendo...’ Resolveu adotar a mesma tática do ministro da Educação. E o rei ficou muito feliz com o seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Não vendo coisa alguma, ele pensou: ‘Os ministros da Educação, da Guerra, das Finanças, da Cultura, das Comunicações viram. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice...’. O rei se entregou então a elogios entusiasmados sobre o tecido que não havia. Marcou-se uma grande festa para que todos os cidadãos vissem o rei em suas novas roupas. No Dia da Pátria, a praça do palácio cheia de homens e mulheres, tocaram-se os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes: ‘Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver’. Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Rufaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova. Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inteligentes. No alto de uma árvore estava um menino que via com seus olhos ignorantes. Não viu roupa nenhuma. O que viu foi o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e as vergonhas dependuradas. Com uma gargalhada, deu um grito que a multidão inteira ouviu: ‘O rei está pelado!’. Fez-se um silêncio profundo, seguido por uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. E todos se puseram a gritar: ‘O rei está nu, o rei está nu...’. O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.” Agora vou contar a mesma estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até o momento do grito do menino. “O rei está pelado!” Fez-se um silêncio profundo, seguido pelo grito da multidão enfurecida. “Menino louco! Não vê a roupa nova do rei! Menino burro!” Com estas palavras agarraram o menino e o internaram num manicômio. Moral da estória: Em terra de cego, quem tem um olho não é rei. É doido.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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