sexta-feira, 7 de julho de 2017

As janelas


Quem olha de fora por uma janela aberta não vê nunca tantas coisas como quem olha uma janela fechada. Não há objeto mais profundo, mais misterioso, mais fecundo, mais tenebroso, mais deslumbrante, do que uma janela iluminada por uma candeia. O que se pode ver ao sol é sempre menos interessante do que o que se passa por detrás de uma vidraça. Dentro daquela abertura negra ou luminosa, a vida vive, a vida sonha, a vida sofre.
Para além das vagas de tetos, distingo uma mulher madura, já enrugada, pobre, sempre curvada sobre alguma coisa, e que não sai nunca. Com seu rosto, com sua roupa, com seus gestos, com quase nada, eu refiz a história dessa mulher, ou antes, sua lenda, e às vezes, chorando, conto-a a mim mesmo.
Se fosse um pobre velho, eu teria feito o mesmo com igual facilidade.
Deito-me, orgulhoso de ter vivido e sofrido em outros que não eu.
Dir-me-ei talvez: — Estás certo de que é essa a lenda verdadeira? Que importa o que pode ser a realidade colocada fora de mim, se ela não me ajudou a viver, a sentir que sou, o que sou?
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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