Nos
tempos da ditadura militar, na cidade argentina de La Plata, uma
mulher procura alguma coisa que não tenha sido destruída. As forças
da ordem arrasaram a casa de Maria Isabel de Mariani e ela cavuca os
restos em vão. O que não roubaram, pulverizaram. Somente um disco,
o Réquiem de Verdi, está intacto.
Maria
Isabel quisera encontrar no redemoinho alguma lembrança de seus
filhos e de sua neta, alguma foto ou brinquedo, livro ou cinzeiro ou
o que fosse. Seus filho s, suspeitos de terem uma imprensa
clandestina, foram assassinados a tiros de canhão. Sua neta de três
meses, butim de guerra, foi dada ou vendida pelos oficiais.
É
verão, e o cheiro da pólvora se mistura com o aroma das tílias que
florescem. (O aroma das tílias será para sempre e sempre
insuportável.) Maria Isabel não tem quem a acompanhe. Ela é mãe
de subversivos. Os amigos atravessam a rua ou desviam o olhar. O
telefone está mudo. Ninguém lhe diz nada, nem ao menos mentiras.
Sem ajuda de ninguém, vai enfiando em caixas os cacos de sua casa
aniquilada. Tarde da noite, põe as caixas na calçada.
De
manhã, bem cedinho, os lixeiros apanham as caixas, uma por uma,
suavemente, sem batê-las. Os lixeiros tratam as caixas com muito
cuidado, como se soubessem que estão cheias de pedacinhos de vida
quebrada. Oculta atrás da persiana, em silêncio, Maria Isabel
agradece a eles esta carícia, que é a única que recebeu desde que
começou a dor.
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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