sexta-feira, 9 de junho de 2017

Dar brazão às borboletas

Nosso conhecimento não era de estudar em livros.
Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.
Seria um saber primordial?
Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor
e não por sintaxe.
A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras.
Um dia tentamos até de fazer um cruzamento de árvores
com passarinhos para obter gorjeios em nossas palavras.
Não obtivemos.
Estamos esperando até hoje.
Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções
primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios.
Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras desbocadas.
Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento.
O pai disse que vento não tem bunda.
Pelo que ficamos frustrados.
Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo
que era a nossa maneira de sair do enfado.
A gente não gostava de explicar as imagens
porque explicar afasta as falas da imaginação.
A gente gostava dos sentidos desarticulados como
a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca.
Certas visões não significavam nada mas eram passeios verbais.
A gente sempre queria dar brazão às borboletas.
A gente gostava bem das vadiações com as palavras
do que das prisões gramaticais.
Quando o menino disse que queria passar para
as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram.
A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste.
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam
os sentidos normais da fala.
Esses meninos faziam parte do arrebol
como os passarinhos.
Manoel de Barros

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