PARA:
GUIMARÃES ROSA
ASSUNTO:
GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Prezado
senhor,
Primeiramente,
gostaríamos de parabenizá-lo pela atualidade da trama, que
incorpora um dos tópicos que permeiam nossa sociedade, como a
questão de gênero. É muito bonito o modo como o leitor é
conduzido à revelação de que Diadorim é um travesti (ou seria
transexual? Transgênero, talvez?). No entanto, a fatura da obra,
como um todo, não está à altura da ambição a que o senhor
pretende. E isso se deve única e exclusivamente a sua linguagem.
Se
nos permite uma consideração franca e objetiva, pareceu-nos que o
senhor se encantou sobremaneira com o personagem Yoda, da série
Guerra
nas Estrelas.
Vê-se que a saga o fisgou. Vamos aos exemplos.
Ao
abrirmos seus originais aleatoriamente, em qualquer trecho, à
maneira do I
Ching
(não nos passou despercebida sua profunda ligação com o plano
místico da existência, portanto decerto o senhor está
familiarizado com o Livro
das Mutações),
encontraremos frases cuja sintaxe apresenta clara inspiração nas
falas do Mestre Jedi:
*
“Parece que, com efeito, no poder de feitiço do contrato ele muito
não acreditava.”
*
“Permeio com quantos, removido no estatuto deles, com uns poucos me
acompanheirei, daqueles jagunços, conforme que os anjos da guarda.”
*
“Até amigo meu pudesse mesmo ser; um homem, que havia.”
*
“Verdadeiro meu propósito era esse, como está dito.”
Mas
não desanime, não é o caso de deletar tudo. Pensamos que a obra
poderia ser desmembrada, de modo a resultar num florilégio de frases
(algumas delas muito tocantes, a bem da verdade), que decerto
encontraria excelente recepção entre os internautas. A título de
exemplo, pinçamos:
*
“O senhor ache e não ache. Tudo é e não é…”
*
“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”
*
“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
*
“Viver é um descuido prosseguido.”
*
“Um sentir é o do sentente, mas o outro é o do sentidor.”
*
“Deus existe mesmo quando não há.”
*
“O diabo não há! Existe é homem humano. Travessia.”
Se
a ideia o agradar, poderemos disponibilizar um de nossos estagiários
para compilar o livrete. (Que tal o título Qualquer
Maneira de Amor Vale a Pena?
Nosso time de vendas disse ter apelo.) Caso o volume tenha bom
desempenho comercial, poderemos pensar em subprodutos, como agendas
com frases inseridas a cada dia do ano, à guisa de máximas (cf. o
sucesso de Mario Quintana), ou um estimulante jogo de caça-palavras.
Sempre
poderemos fazer de um limão uma limonada, não é mesmo? Afinal, “a
morte é para os que morrem”.
Sem
mais.
Maria
Emilia Bender, in Revista Piauí
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