sexta-feira, 5 de maio de 2017

Oscar Niemeyer


Poucos depoimentos eu tenho lido mais emocionantes que o artigo-reportagem de Oscar Niemeyer sobre sua experiência em Brasília. Para quem conhece apenas o arquiteto, o artigo poderá passar por uma defesa em causa própria - o revide normal de um pai que sai de sua mansidão costumeira para ir brigar por um filho em quem querem bater. Mas para quem conhece o homem, o artigo assume proporções dramáticas. Pois Oscar é não só o avesso do causídico, como um dos seres mais antiautopromocionais que já conheci em minha vida.
Sua modéstia não é, como de comum, uma forma infame de vaidade. Ela não tem nada a ver com o conhecimento realista - que Oscar tem de seu valor profissional e de suas possibilidades. É a modéstia dos criadores verdadeiramente integrados com a vida, dos que sabem que não há tempo a perder, é preciso construir a beleza e a felicidade no mundo, por isso mesmo que no indivíduo é tudo tão frágil e precário. Esse pungente sentimento do frágil e precário das coisas, que toca em Oscar as notas mais altas da pauta, como que serve para realçar ainda mais a sua dignidade de homem e de artista; pois nunca há nele o sentimento de estar servindo a si próprio, ou mesmo aos seus, mas aos homens em geral, num futuro que ele espera melhor.
Oscar não acredita em Papai do Céu, nem que estará um dia construindo basílicas angélicas nas verdes pastagens do Paraíso. Põe ele, como um verdadeiro homem, a felicidade do seu semelhante no aproveitamento das verdes pastagens da Terra; no exemplo do Trabalho para o bem-comum e na criação de condições urbanas e rurais, em estreita interdecorrência, que estimulem e desenvolvam este nobre fim: fazer o homem feliz dentro do curto prazo que lhe foi dado para viver.
Eu acredito também nisso, e quando vejo aquilo em que creio refletido num depoimento como o de Oscar Niemeyer, velho e querido amigo, como não me emocionar? É bom ver-se entre os amigos, um cujos pontos de vista coincidem com os nossos; um a quem os anos, em vez de esclerosar ou enclausurar politicamente, pelo contrário remoçam, renovam, revigoram; um cuja visão prática do mundo e dos homens não despreza nunca a dimensão da poesia. Pois a verdade é que a maioria, quando fala de política, quase só abre a boca para dizer bobagem, e se defende cada vez mais dos árduos problemas da responsabilidade humana com a armadura do reacionarismo mais egoísta.
E o pior é que nem por isso a gente pode deixar de gostar deles...
Dizia o grande Ésquilo que “tudo o que existe é justo e injusto, e nos dois casos igualmente justificável”. Dialeticamente, perfeito, se se analisar a frase do ponto de vista da história, da extraordinária luta do homem para chegar aonde chegou. Mas, humanamente, vamos mais devagar... Hitler, que é historicamente justificável, não deixa por isso de ser um monstro hediondo.
Fulgêncio Batista, que é historicamente um Judas das nas mãos dos Supremos Sacerdotes e dos Filisteus do açúcar, nem por isso deixa de ser um infame traidor de sua pátria e um dos mais nojentos réprobos dentro da comunidade latino-americana.
Por isso, meu caro Oscar, não ligue demais aos seus detratores. A maioria deles são pintas ultramanjadas. Há, como você muito bem diz, aqueles “a quem falta uma concepção mais realista da vida, que os situe dentro da fragilidade das coisas, tornando-os mais simples, humanos e desprendidos”. E a esses, como você muito bem faz, cabe “compreendê-los sem ressentimentos”. Mas há também, e infelizmente, os velhacos, os, trapaceiros, os provocadores, os policiais. Com esses, é preciso ter mais cuidado. Pois eles estão aí, e partidos para a ignorância.
Vinicius de Moraes, in Para viver um grande amor

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