sexta-feira, 26 de maio de 2017

Bom tempo

Não há nada tão belo como os dias que medeiam entre o inverno e a primavera, observou Eugênio, que gostava de olhar o céu. Nós não temos propriamente inverno, e seria exagero dizer que temos primavera. Misturando estações, conseguimos fazer uma terceira, temperada, amável, com dias claros, termômetro benevolente, doçura.
Eugênio apreciava tanto esses dias intervalares que convidou parentes e amigos distantes a virem saborear com ele a delícia do tempo. Acudiram em bando, enchendo o pequeno apartamento. Nessa semana o elevador estava em reparo, o aquecedor de gás enguiçou, faltou luz, a empregada despediu-se, mas as noites eram frescas e os dias belíssimos. Eugênio achou que a natureza compensava bem os incômodos domiciliares. Os hóspedes, não.
Quando as coisas melhoraram no edifício, sobreveio um tempo de chuva e vento, que desaconselhava botar o pé na rua. Os hóspedes, não podendo sair de casa, e sentindo-se confortáveis, iniciaram um joguinho, de que Eugênio não participava. Negócio dele era o azul. “Você está empatando o nosso lazer”, disseram-lhe. “Por que não vai passear?” Eugênio foi para a rua e apanhou a devida pneumonia, por muito amar o bom tempo.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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