quinta-feira, 25 de maio de 2017

Meu pai

Tinha começado a antipatizar com meu pai. Ele sempre estava zangado com alguma coisa. Onde quer que fôssemos, ele dava um jeito de discutir com as pessoas. Mas a maioria parecia não se assustar com sua figura; as pessoas normalmente o encaravam, calmamente, o que o deixava ainda mais exaltado. Se fôssemos comer fora, o que raramente acontecia, ele sempre encontrava algo de errado na comida e algumas vezes se recusava a pagar.
Tem cocô de mosca na nata! Que diabo de lugar é este?
Minhas desculpas, senhor. Não vamos cobrar nada. Apenas faça o favor de se retirar.
Está certo, estou de saída! Mas voltarei. E voltarei para pôr abaixo esta maldita espelunca!
De outra feita, estávamos numa loja de conveniências, e eu e minha mãe ficamos de lado enquanto meu pai gritava com um atendente. Outro funcionário perguntou a minha mãe:
Quem é esse sujeito horrível? Toda vez que ele vem aqui arranja uma discussão.
É meu marido – disse minha mãe ao funcionário.
E ainda lembro de mais outra. Ele estava trabalhando como leiteiro e fazia entregas de manhã bem cedo. Certa manhã ele me acordou.
Vamos, quero lhe mostrar uma coisa.
Fui até a rua com ele. Eu estava de pijama e chinelos. Ainda era noite, e a lua brilhava alta no céu. Caminhamos até o caminhão de leite, que era puxado a cavalo. O animal estava bastante quieto.
Veja – disse meu pai. Ele pegou um torrão de açúcar, colocou sobre a palma da mão e levou até a boca do cavalo. O animal apanhou o torrão da sua mão. – Agora, tente você...
Colocou um torrão de açúcar na minha mão. Tratava-se de um enorme cavalo. – Aproxime-se! Mantenha a mão estendida!
Tive medo de que o cavalo me mordesse. A cabeça se curvou; pude ver suas narinas, os lábios se retraíram, vi a língua e os dentes, e então o torrão de açúcar desapareceu.
Aqui. Tente outra vez...
E eu tentei. O cavalo abocanhou o torrão e balançou a cabeça.
Agora – disse meu pai –, vou levar você de volta para dentro antes que o cavalo cague em cima de você.
Não me era permitido brincar com outras crianças.
Essas crianças são más – dizia meu pai –, e os pais delas são pobres.
É verdade – concordava minha mãe.
Meus pais queriam ser ricos. Por isso, imaginavam-se ricos.
Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha idade. Elas pareciam muito estranhas, sorriam e conversavam e pareciam felizes. Não gostei delas. Sempre me sentia enjoado e o ar tinha um aspecto estranhamente calmo e puro. Pintávamos com tinta guache. Plantá vamos sementes de rabanete no jardim e algumas semanas mais tarde os comíamos com sal. Gostava da senhora que ensinava no jardim de infância, gostava mais dela que dos meus pais. Um problema que eu enfrentava era ir ao banheiro. Estava sempre apertado, mas tinha vergonha de deixar os outros saberem da minha necessidade. Assim, eu segurava. Era realmente terrível conter a vontade. E o ar estava puro, e eu sentia vontade de vomitar, vontade de cagar e de mijar, mas não dizia nada. E quando algumas das outras crianças voltavam do banheiro, eu pensava: vocês estão sujas, vocês fizeram algo lá dentro...
As garotinhas eram bacanas em seus vestidos curtos, com seus cabelos longos e seus belos olhos, mas eu pensava, elas também fazem as coisas lá dentro, mesmo que finjam que não.
O jardim de infância era em grande parte constituído de ar puro...
O ensino fundamental foi diferente, da primeira à sexta série, algumas das crianças tinham doze anos de idade, e todos vínhamos de bairros pobres. Comecei a ir ao banheiro, mas só para mijar. Certa vez, quando eu estava saindo do banheiro, vi um garotinho bebendo água no bebedor. Por trás dele veio um outro, grandalhão, e enfiou a cabeça dele no dispositivo. Quando o garotinho ergueu a cabeça, alguns de seus dentes estavam quebrados, e da boca lhe escorria sangue, havia sangue por todo o bebedor.
Conte o que aconteceu pra alguém – disse o garoto mais velho –, e eu realmente acabo com a sua raça.
O garotinho tirou um lenço e o pressionou contra a boca. Retornei para a sala de aula onde a professora nos falava sobre George Washington e o Vale Forge. Ela usava uma elaborada peruca branca. Costumava, com frequência, bater em nossas mãos com a palmatória, sempre que achava que estávamos sendo desobedientes. Acho que ela nunca usou um banheiro na vida. Eu a odiava.
Todas as tardes depois das aulas havia uma briga entre dois alunos mais velhos. Os combates sempre se davam atrás da cerca dos fundos, onde nunca havia um professor por perto. E as lutas nunca eram justas; sempre era um garoto maior contra outro menor. O maior sempre acertava o outro com os punhos, encurralando-o contra a cerca. O garoto menor tentava revidar, mas era inútil. Logo seu rosto estava coberto de sangue, com sangue escorrendo pela camisa. O menor apanhava calado, sem jamais implorar, sem nunca pedir piedade. Por fim, o garoto maior se afastava e tudo estava terminado e todos os outros garotos caminhavam para casa lado a lado com o vencedor.
Charles Bukowski, in Misto-quente

Nenhum comentário:

Postar um comentário