terça-feira, 4 de abril de 2017

Verdade ou mentira?

Verdade ou mentira, o que eu vou contar aqui é meio esquisito e merece ser lido com alguma atenção. (Por precaução, vale ficar perto do telefone e não custa nada se certificar de que a porta está trancada.)
Por mais impressionante que seja a história, procure controlar os nervos.
Prepare-se como lhe parecer melhor. (Uma boa companhia, uma música de fundo e uma luz indireta sempre ajudam.)
Prometo manter-me imparcial e evitar aumentativos. Narrarei aqui tão somente o que me foi contado, tentando, dentro do possível, driblar a poesia.
Tudo pronto? Então lá vai.
Houve uma mulher que amou um amor de verdade.
Por mais estranho que pareça, foi isso o que me contaram exatamente.
Um dia ela conheceu um homem, então descobriu que seu amanhecer já não era o mesmo. Os dois trocaram juras eternas, e, o que é mais fantástico ainda, essa mulher, pelo que consta, amou mesmo esse homem, só ele, muito e sempre.
Parece que ele não era especialmente bonito, rico nem inteligente, era boa gente apenas e (segundo fontes seguras) tinha um sorriso engraçado.
Ela também era uma pessoa normal (pelo menos aparentemente), e só apresentou esse comportamento estapafúrdio em toda a sua vida.
Os motivos que levaram essa mulher a amar tanto o tal homem, de forma tão descabida e excessiva, nunca ficaram provados.
Primeiro levantaram a hipótese de um surto de loucura passageiro. (Um atestado de insanidade resolveria a questão sem a necessidade de uma análise mais apurada.) Não era.
Cogitaram, então, a influência de algum agente externo. (Drogas? Chá de catuaba? Superexposição à ação de livros de romance? Overdose de filme?) Nada.
Alguém sugeriu um componente genético. (A mãe dela, sua avó, sua bisavó e sua tataravó também tiveram um só homem a vida inteira.) Logo lembraram que, naquele tempo, as pessoas ficarem juntas por toda a vida não era uma prova de amor contundente, e assim foi descartada a possibilidade.
Uma menina chegou a deduzir que ela só podia ser a Cinderela, mas não foi difícil provar o contrário, e as investigações foram reiniciadas.
O fato foi tomando proporções maiores, à medida que o tempo passava, e o amor daquela mulher não diminuía.
Psiquiatras, sociólogos e sexólogos chegavam, vindos do mundo inteiro, interessados no caso. (Seria um vírus desconhecido? Uma bactéria fabricada em laboratório? Um ato terrorista? Uma alucinação coletiva? Um novo tipo de gripe? Algo místico?)
Um numerólogo garantiu que tudo aconteceu porque ela conheceu o seu amado no dia 5 do 9 às 4 horas, noves fora zero.
Houve quem apostasse que aquele amor todo era mentira da mulher, com a clara intenção de aparecer na mídia.
Pelo sim, pelo não, foi convocado um congresso internacional sobre paixão, com a presença de competentes profissionais apaixonados pelo tema.
Wilhelm Gertkurt, renomado cientista alemão especialista em “paixões duradouras nos trópicos”, depois de examinar detalhadamente os sintomas: beijos, batimento cardíaco, beijos, admiração, beijos, felicidade, beijos, abraços, beijos etc., deu o diagnóstico: era amor mesmo. Não havia dúvida.
Valia a pena procurar as autoridades e os poetas para notificar o caso.
A mulher foi ficando meio assustada com aquela agonia de gente e flashes de repórter, confere daqui, examina de lá, até que acabou fugindo, coitada. Aquilo já estava impossível.
O homem ficou muito triste, é óbvio, de perder um amor assim tão interessante.
Há quem garanta que até hoje ele passa o dia bebendo na esquina e chora constantemente.
Dela, nunca mais se teve notícia. Possivelmente se autoexilou em algum lugar ignorado.
Está vendo só que perigo?
Existe uma mulher capaz de amar de verdade solta por aí e você nem sabia.
Adriana Falcão, in O doido da garrafa

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