terça-feira, 18 de abril de 2017

Se nos permite uma sugestão


PARA: MACHADO DE ASSIS
ASSUNTO: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E DOM CASMURRO

Prezado postulante,

Talvez o senhor não esteja sendo bem orientado (seu agente literário tem péssima reputação na praça – quem avisa amigo é…), mas via de regra os candidatos a um lugar ao sol no inclemente mercado editorial deveriam enviar apenas um, e olhe lá, original por vez.
O romance delirante que o senhor classificou como “memórias póstumas” definitivamente não nos interessa. Como assim, um autor defunto? É do conhecimento de todos que não somos uma editora de filiação kardecista. Podemos, no entanto, encaminhar sua obra aos responsáveis pelo nosso selo de religião, autoajuda e assuntos espirituais. Avise-nos, caso seja de seu interesse (por e-mail, por favor, pois não dispomos de infraestrutura para receber uma comunicação mediúnica, do tipo mesa branca).
Quanto ao outro original, aquela história de um casamento malsucedido, Dom Casmurro, detectamos um problema na trama: afinal, Capitu traiu ou não o marido? Isso não fica claro. Talvez fosse preciso reescrever o texto adotando outro ponto de vista que não o de Bentinho, parte interessada em nos fazer crer ter sido ele vítima de adultério. E se a narradora fosse a prima Justina, que “dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro”? Parece-nos uma voz mais isenta, capaz de narrar os acontecimentos com a distância que o enredo exige.
Last but not least, para usar uma expressão do agrado dos autores anglo-saxônicos que o senhor frequenta, gostaríamos de reconhecer sua coragem e perseverança em nos ter submetido outros exercícios literários de sua lavra, não obstante havermos recusado Casa Velha. Magoounos, porém, seu agente (ele, de novo…) ter vazado para a imprensa a notícia da recusa (cf. Folha de S.Paulo de 21.04.1999). Isso não se faz.
Por ora, são esses os nossos comentários.
Maria Emilia Bender, in revista Piauí

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