Sou
professor de poesia, embora isso soe estranhamente estranho, como soa
estranho essa estranha palavra “estranho”, do latim extraneus.
Aliás, fazer isso, brincar com as palavras, estudá-las, localizar
sua origem, examinar suas variantes é um bom caminho para quem
deseja versificar. Afinal, é disso que se trata. No limite, a
diferença entre o poeta e o escritor é que aquele utiliza o verso
como veículo de sua expressão, e este, a prosa.
Ai,
o espírito de Aristóteles quase me arrancou a orelha!
Sim,
mestre, exagerei. É claro que me lembro de que disseste que o
historiador pode escrever em versos e nem por isso estará fazendo
poesia. É que do teu tempo para o nosso, inventamos outras formas
literárias, como o conto, a crônica, a novela, o romance. Tivesse
nascido hoje, Sófocles, teu admirado Sófocles, escreveria em prosa!
Sou
professor de poesia. Isso mesmo. Dou uma cadeira, na graduação da
faculdade de Letras, que se chama Produção de Textos Poéticos.
Estudamos poeticidade, formas, metros, ritmos, harmonia e muitas
outras tecniquerias, como diria o Unamuno. Mas, mais que
teoria, fazemos poesia.
Os
críticos das oficinas dirão que isso é impossível. Que a poesia é
um dom divino e que só os eleitos são capazes de produzi-la.
É impressionante como a aristocracia de espírito ainda tem adeptos.
Indiferente
a esse platonismo de província, recebo alunos e alunas que nunca
escreveram um verso, que sequer leram bons poemas e que, em três
meses, são capazes de apresentar suas produções poéticas em
saraus nas livrarias da cidade.
Milagre?
Não, método.
Por
falar nisso, me encanta a definição de Roland Barthes para método:
“Exploração metódica de uma hipótese de trabalho”.
Sem
pesar a mão na teoria, induzo meus alunos e minhas alunas a fazerem
poesia a partir de exercícios de pasticho, de palavras aleatórias,
de ritmos, de leituras de clássicos e de poetas atuais, entre
outros. Afinal, todos os participantes da disciplina têm os
ingredientes básicos: estão alimentados e são jovens. Além disso,
já chegam às aulas alfabetizados.
Alguém
ou alguma instituição, no passado, destruiu neles a fé em si
mesmos, o gosto pelo novo, o gosto pelo lúdico, o gosto pelo
desafio. Antes do Barack Obama, eu lhes dizia: sim, nós podemos. O
que um ser humano faz, o outro faz também. E até melhor.
Na
companhia de meus alunos de poesia, sou um professor feliz. Às
vezes, no meio da brincadeira, porque para funcionar precisa ser uma
brincadeira, entre um soneto de Petrarca e uma ode de Píndaro, entre
um haicai de Bashô e um poemeto de Quintana, alguns deles produzem
estruturas delicadas e metáforas audaciosas, dignas de Eliot,
Pessoa, Shakespeare.
Basta
mostrar-lhes que as palavras, como os tijolos, estão no léxico à
espera do habilidoso construtor. Se com elas fazemos muros ou
catedrais, é outra questão.
Em
si, em seu adormecido estado de bibelôs de dicionário, as palavras
são neutras. Isoladas, são fósseis. Vivificadas pelo sopro criador
são como peixes, esguias, brilhantes e rápidas. Repartidas,
multiplicam-se e alimentam quem tem fome de beleza.
Charles
Kiefer, in Para ser escritor
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