Ela
estava muito ocupada: viera das compras de casa, deu vários
telefonemas inclusive um dificílimo para chamar o bombeiro de
encanamentos de água, foi à cozinha ver se o almoço dos meninos se
adiantava, eles não podiam atrasar-se na ida à escola, riu de uma
graça de uma das meninas, recebeu um telefonema convidando-a para um
chá de caridade, preparou a merenda das crianças, e afinal fechou a
porta à saída delas.
Então
– então do ventre mesmo, como de um longínquo estremecer de terra
que mal se sabe ser o sinal do terremoto, do ventre o estremecimento
gigantesco de uma forte torre abalada, do ventre vem o estremecimento
– e em caretas não só de rosto mas de corpo vem com uma
dificuldade de petróleo abrindo terra dura – vem afinal o grande
choro, um choro quase mudo, só a tortura seca do choro mudo
entrecortado de soluços, o choro secreto até para ela mesma, aquele
que ela não adivinhou, aquele que ela não previu – sacudida como
uma árvore que é sempre mais sacudida que a fraca – e afinal
rebentados canos e veias e tendões pela grossura da água salgada do
choro. Só depois que passa percebe que nenhuma lágrima a molhou.
Foi o seco terremoto de um choro.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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