sábado, 18 de março de 2017

Que me ensinem

Meu Deus, e eu que não sei rezar? Como viver então? Não é só para pedir por mim e por outros, mas para sentir, para agradecer, para de algum modo entrar num convento, logo eu que sou tão colérica e feroz.
Existe uma cartomante que me conheceu mocinha. E agora é ela quem me chama e não me cobra nada. Apesar de cartomante é profundamente católica. E tem ido à missa por mim. Obrigada por rezar o que eu não sei.
Oh Deus, eu já fui muito ferida. Mas a quanta gente tenho pelo que agradecer. Só não cito nomes para não ferir o pudor de quem eu citasse. Tenho recebido olhares que valem por uma reza. E há quem já tenha feito promessa por mim.
E eu? Vou tentar rezar agora mesmo, despudoradamente em público. É assim: Meu Deus – não, é inútil, não consigo. Mas talvez dizer “Meu Deus” já seja uma reza. Há, porém, um pedido que posso fazer e farei agora mesmo: Deus, fazei com que os que eu amo não me sobrevivam, eu não toleraria a ausência. Pelo menos isso eu peço.
Clarice Lispector, in Aprendendo a viver

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