sábado, 21 de janeiro de 2017

Sobre piedade, humanidade, bondade, justiça e lealdade

Se quisermos ser juízes imparciais em qualquer circunstância, devemos, antes de mais, ter em conta que ninguém está livre de culpa; o que está na origem da nossa indignação é a ideia de que: “Eu não errei” e “Eu não fiz nada”. Pelo contrário, tu recusas admitir os teus erros! Indignamo-nos quando somos castigados ou repreendidos, cometendo, simultaneamente, o erro de acrescentar aos crimes cometidos, a arrogância e a obstinação. Quem poderá dizer que nunca infringiu a lei? E, se assim for, é bem estreita inocência ser bom perante a lei! Quão mais vasta é a regra do dever do que a regra do direito! Quantas obrigações impõem a piedade, a humanidade, a bondade, a justiça e a lealdade, que não estão escritas em nenhuma tábua de leis!
Mas nós não podemos satisfazer-nos com aquela noção de inocência tão limitada: há erros que cometemos, outros que pensamos cometer, outros que desejamos cometer, outros que favorecemos; por vezes, somos inocentes por não termos conseguido cometê-los. Se tivermos isto em conta, somos mais justos para com os delinquentes, e mais persuasivos nas admoestações; em todo o caso, não nos iremos contra os homens bons (de fato, contra quem não nos sentiremos irados, se nos irarmos contra os homens bons?), muito menos contra os deuses: na verdade, não é por causa deles, mas devido à nossa condição de mortais que sofremos tantos incômodos. - Mas as doenças e as dores assaltam-nos. - De qualquer maneira, teremos que sair desta morada decadente que nos foi atribuída. Supões que alguém disse mal de ti: pensa se não terás tu começado primeiro, pensa nas pessoas sobre quem já disseste mal.
Sêneca, in Da ira

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