domingo, 4 de dezembro de 2016

Não pare, Mahler!

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Bukowski, por Martin Hanko

Hoje, foi devagar no hipódromo. Minha maldita vida pendurada no gancho. Vou lá todos os dias. Não encontro ninguém lá, só os funcionários. Provavelmente, tenho alguma doença. Saroyan perdeu seu rabo no hipódromo, Fante, nas cartas, e Dostoievsky, na roleta. E realmente não é uma questão de dinheiro, a não ser que você fique duro. Eu tinha um amigo jogador que dizia: “Não me importo se perco ou se ganho, só quero apostar”. Tenho mais respeito pelo dinheiro. Tive pouco na maior parte da vida. Sei o que é um banco de praça, e o proprietário bater na porta. Só existem duas coisas erradas com o dinheiro: quando é demais ou de menos.
Acho que sempre arranjamos alguma coisa para nos atormentar. E, no hipódromo, você sente as outras pessoas, a escuridão desesperada, e como jogam e desistem com facilidade. A multidão do hipódromo é o mundo em tamanho menor, a vida lutando contra a morte e perdendo. No final, ninguém ganha, buscamos apenas uma prorrogação, um momento sem ser ofuscado. (Merda, a brasa do cigarro queimou um dos meus dedos enquanto estava meditando sobre esta falta de sentido. Isto me acordou, me tirou deste estado sartriano!) Diabos, precisamos de humor, precisamos rir. Eu costumava rir mais, eu costumava fazer tudo mais, exceto escrever. Hoje, escrevo e escrevo e escrevo, quanto mais velho fico, mais escrevo, dançando com a morte. Excelente show. E acho que a coisa está boa. Um dia, dirão: “Bukowski está morto”, e daí serei verdadeiramente descoberto e pendurado em fedorentos e brilhantes postes de luz. E daí? A imortalidade é uma estúpida invenção dos vivos. Você vê o que faz o hipódromo? Faz com que o texto flua. Relâmpagos e sorte. O último azulão cantando. Qualquer coisa que digo soa bem porque eu arrisco quando escrevo. Gente demais é cuidadosa demais. Estudam, ensinam e fracassam. A convenção apaga a sua chama.
Me sinto melhor agora, aqui neste segundo andar com o Macintosh. Meu companheiro.
E Mahler está no rádio, desliza com tanta facilidade, arriscando muito, isso é necessário às vezes. Então, ele manda um daqueles trechos apoteóticos. Obrigado, Mahler, pego emprestado de você e nunca poderei pagar.
Fumo demais, bebo demais, mas não consigo escrever demais, o texto fica vindo e peço mais e chega e se mistura com Mahler. Às vezes, paro deliberadamente. Digo espere um pouco, vá dormir ou olhe seus nove gatos ou sente com sua mulher no sofá. Você está no hipódromo ou com o Macintosh. E então paro, piso no freio, estaciono a maldita coisa. Algumas pessoas escreveram que meus livros as ajudaram a seguir em frente. Me ajudaram também. Os livros, os cavalos, os nove gatos.
Aqui, há uma pequena sacada, a porta está aberta e posso ver as luzes dos carros na Harbor Freeeway sul, nunca param, o rolar das luzes, sem parar. Todas aquelas pessoas. O que estão fazendo? O que estão pensando? Todos nós vamos morrer, que circo! Só isso deveria fazer com que amássemos uns aos outros, mas não faz. Somos aterrorizados e esmagados pelas trivialidades, somos devorados por nada.
Continue, Mahler! Você fez com que esta fosse uma noite maravilhosa. Não pare, filho da puta! Não pare!
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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