sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Capítulo CLX - Das negativas

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNr7wU_iYHQVieb1bPZwIy5fRj0gVzIfmGJViSUV6M57si-TCTadj6Uahu5IxdOfTSgQgnfhdUs3L5Wy-haX4TS3pqRsMKrISWDiKBFKwQjeFTCbUOLHMBQqubm05UpOhNxQ4whMMlTIno/s1600/memorias-postumas-bras-cubas_2.jpg 
 
Entre a morte do Quincas Borba e a minha, mediaram os sucessos narrados na primeira parte do livro. O principal deles foi a invenção do emplasto Brás Cubas, que morreu comigo, por causa da moléstia que apanhei. Divino emplasto, tu me darias o primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza, porque eras a genuína e direta inspiração do Céu. O acaso determinou o contrário; e aí vos ficais eternamente hipocondríacos.
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

Nenhum comentário:

Postar um comentário