Gosto
da palavra “fornida”. é uma palavra que diz tudo o que quer
dizer. Se você lê que uma mulher e “bem fornida”, sabe
exatamente como ela é. Não gorda mas cheia, roliça, carnuda. E
quente. Talvez seja a semelhança com “forno”. Talvez seja apenas
o tipo de mente que eu tenho.
Não
posso ver a palavra “lascívia” sem pensar numa mulher, não
fornida mas magra e comprida. Lascívia, imperatriz de Cântaro,
filha de Pundonor.
Imagino-a
atraindo todos os jovens do reino para a cama real, decapitando os
incapazes pelo fracasso e os capazes pela ousadia.
Um
dia chega a Cântaro um jovem trovador, Lipídio de Albornoz. Ele
cruza a Ponte de Safena e entra na cidade montado no seu cavalo
Escarcéu. Avista uma mulher vestindo uma bandalheira preta que lhe
lança um olhar cheio de betume e cabriolé. Segue-a através dos
becos de Cântaro até um sumário - uma espécie de jardim
enclausurado -, onde ela deixa cair a bandalheira. É Lascívia. Ela
sobe por um escrutínio, pequena escada estreita, e desaparece por
uma porciúncula.
Lipídio
a segue. Vê-se num longo conluio que leva a uma prótese
entreaberta. Ele entra. Lascívia está sentada num trunfo em frente
ao seu pinochet, penteando-se.
Lipídio,
que sempre carrega consigo um fanfarrão (instrumento primitivo de
sete cordas), começa a cantar uma balada. Lascívia bate palmas e
chama:
-
Cisterna! Vanglória!
São
suas escravas que vêm prepará-la para os ritos do amor. Lipídio
desfaz-se de suas roupas - o satrapa, o himpen, os dois fátuos - até
ficar só de reles. Dirige-se para a cama cantando uma antiga
minarete. Lascívia diz:
-
Cala-te, sândalo. Quero sentir o seu vespúcio junto ao meu
passe-partout.
Atrás
de uma cortina, Muxoxo, o algoz, prepara seu longo cadastro para
cortar a cabeça do trovador.
A
história só não acaba mal porque o cavalo de Lipídio, Escarcéu,
espia pela janela na hora em que Muxoxo vai decapitar seu dono, no
momento entregue aos sassafrás, e dá o alarme. Lipídio pula da
cama, veste seu reles rapidamente e sai pela janela, onde Escarcéu o
espera.
Lascívia
manda levantarem a Ponte de Safena, mas tarde demais. Lipídio e
Escarcéu já galopam por motins e valiums, longe da vingança de
Lascívia.
Luís
Fernando Veríssimo,
in Comédias
para se ler na escola
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