segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Os moralistas

- Você pensou bem no que vai fazer, Paulo?
- Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás.
- Olhe lá, hein, rapaz...
Paulo está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim que souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel. A solidariedade lhe faz bem. Mas não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam que ele não se acertava com a mulher.
- Pense um pouco mais, Paulo. Reflita. Essas decisões súbitas...
- Mas que súbitas? Estamos praticamente separados há um ano.
- Dê outra chance ao seu casamento, Paulo.
- A Margarida é uma ótima mulher.
- Espera um pouquinho. Você mesmo deixou de frequentar nossa casa por causa da Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e expulsou todo mundo.
- E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser expulsos.
- Outra coisa, Paulo. O divórcio. Sei lá...
- Eu não entendo mais nada. Você sempre defendeu o divórcio!
- É. Mas quando acontece com um amigo...
- Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa importantíssima. Acho que a família merece qualquer sacrifício.
- Pense nas crianças, Paulo. No trauma.
- Mas nós não temos filhos!
- Nos filhos dos outros, então. No mau exemplo.
- Mas isto é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do mundo. Hoje, o divórcio é uma coisa comum. Não vai mudar nada.
- Como, não muda nada?
- Muda tudo!
- Você não sabe o que está dizendo, Paulo! Muda tudo.
- Muda o quê?
- Bom, pra começar, você não vai poder mais frequentar as nossas casas.
- As mulheres não vão tolerar.
- Você se transformará num pária social, Paulo.
- O quê?!
- Fora de brincadeira. Um reprobo.
- Puxa. Eu nunca pensei que vocês...
- Pense bem, Paulo. Dê tempo ao tempo.
- Deixe pra decidir depois. Passado o verão.
- Reflita, Paulo. É uma decisão seriíssima. Deixe para mais tarde.
- Está bem. Se vocês insistem…
Na saída, os três amigos conversam:
- Será que ele se convenceu?
- Acho que sim. Pelo menos vai adiar.
- E no solteiros contra casados da praia, este ano, ainda teremos ele no gol.
- Também, a ideia dele. Largar o gol dos casados logo agora Em cima da hora. Quando não dava mais para arranjar substituto.
- Os casados nunca terão um goleiro como ele.
- Se insistirmos bastante, ele desiste definitivamente do divórcio.
- Vai aguentar a Margarida pelo resto da vida.
- Pelo time dos casados, qualquer sacrifício serve.
- Me diz uma coisa. Como divorciado, ele podia jogar no time dos solteiros?
- Podia.
- Impensável.
- Outra coisa.
- O quê?
- Não é reprobo. É réprobo. Acento no “e”.
- Mas funcionou, não funcionou?
Luís Fernando Veríssimo, As mentiras que os homens contam

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