-
Você pensou bem no que vai fazer, Paulo?
-
Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás.
-
Olhe lá, hein, rapaz...
Paulo
está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim
que souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no
hotel. A solidariedade lhe faz bem. Mas não entende aquela
insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam que ele não
se acertava com a mulher.
-
Pense um pouco mais, Paulo. Reflita. Essas decisões súbitas...
-
Mas que súbitas? Estamos praticamente separados há um ano.
-
Dê outra chance ao seu casamento, Paulo.
-
A Margarida é uma ótima mulher.
-
Espera um pouquinho. Você mesmo deixou de frequentar nossa casa por
causa da Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e
expulsou todo mundo.
-
E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser
expulsos.
-
Outra coisa, Paulo. O divórcio. Sei lá...
-
Eu não entendo mais nada. Você sempre defendeu o divórcio!
-
É. Mas quando acontece com um amigo...
-
Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa
importantíssima. Acho que a família merece qualquer sacrifício.
-
Pense nas crianças, Paulo. No trauma.
-
Mas nós não temos filhos!
-
Nos filhos dos outros, então. No mau exemplo.
-
Mas isto é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do
mundo. Hoje, o divórcio é uma coisa comum. Não vai mudar nada.
-
Como, não muda nada?
-
Muda tudo!
-
Você não sabe o que está dizendo, Paulo! Muda tudo.
-
Muda o quê?
-
Bom, pra começar, você não vai poder mais frequentar as nossas
casas.
-
As mulheres não vão tolerar.
-
Você se transformará num pária social, Paulo.
-
O quê?!
-
Fora de brincadeira. Um reprobo.
-
Puxa. Eu nunca pensei que vocês...
-
Pense bem, Paulo. Dê tempo ao tempo.
-
Deixe pra decidir depois. Passado o verão.
-
Reflita, Paulo. É uma decisão seriíssima. Deixe para mais tarde.
-
Está bem. Se vocês insistem…
Na
saída, os três amigos conversam:
-
Será que ele se convenceu?
-
Acho que sim. Pelo menos vai adiar.
-
E no solteiros contra casados da praia, este ano, ainda teremos ele
no gol.
-
Também, a ideia dele. Largar o gol dos casados logo agora Em cima da
hora. Quando não dava mais para arranjar substituto.
-
Os casados nunca terão um goleiro como ele.
-
Se insistirmos bastante, ele desiste definitivamente do divórcio.
-
Vai aguentar a Margarida pelo resto da vida.
-
Pelo time dos casados, qualquer sacrifício serve.
-
Me diz uma coisa. Como divorciado, ele podia jogar no time dos
solteiros?
-
Podia.
-
Impensável.
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Outra coisa.
-
O quê?
-
Não é reprobo. É réprobo. Acento no “e”.
-
Mas funcionou, não funcionou?
Luís
Fernando Veríssimo, As mentiras que os homens contam
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