Mulher chorando (1937), de Pablo Picasso
Tentei
montar com aquele meu amigo que tem um olhar
descomparado,
uma Oficina de Desregular a Natureza.
Mas
faltou dinheiro na hora para a gente alugar um
espaço.
Ele propôs que montássemos por primeiro a
Oficina
em alguma gruta. Por toda parte existia gruta,
ele
disse. E por de logo achamos uma na beira da
estrada.
Ponho por caso que até foi sorte nossa. Pois
que
debaixo da gruta passava um rio. O que de melhor
houvesse
para uma Oficina de Desregular Natureza!
Por
de logo fizemos o primeiro trabalho. Era o
Besouro
de olhar ajoelhado. Botaríamos esse Besouro
no
canto mais nobre da gruta. Mas a gruta não tinha
canto
mais nobre. Logo apareceu um lírio pensativo
de
sol. De seguida o mesmo lírio pensativo de chão.
Pensamos
que sendo o lírio um bem da natureza
prezado
por Cristo resolvemos dar o nome ao trabalho
de
Lírio pensativo de Deus. Ficou sendo. Logo fizemos
a
Borboleta beata. E depois fizemos Uma ideia
de
roupa rasgada de bunda. E A fivela de prender silêncios.
Depois
elaboramos A canção para a lata defunta.
E
ainda a seguir: O parafuso de veludo, O prego
que
farfalha, O alicate cremoso. E por último aproveitamos
para
imitar Picasso com A moça com o olho no centro
da
testa. Picasso desregulava a natureza, tentamos
imitá-lo.
Modéstia à parte.
Manoel
de Barros
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