terça-feira, 9 de agosto de 2016

A Virgem de Guadalupe contra a Virgem dos Remédios

Abrindo caminho entre cortinas de pó, a multidão atravessa a aldeia de Atotonilco.
Viva a América e morra o mau governo!
1810: o padre Miguel Hidalgo arranca da igreja a imagem da Virgem de Guadalupe e amarra o manto na lança. O estandarte fulgura sobre a multidão.
Viva Nossa Senhora de Guadalupe! Morram os gachupines!
Fervor da revolução, paixão da religião; os sinos repicam na igreja de Dolores, o padre Hidalgo chama para a luta e a Virgem mexicana de Guadalupe declara guerra à Virgem espanhola dos Remédios. A Virgem índia desafia a Virgem branca; a que escolheu um índio pobre na colina de Tepeyac marcha contra a que salvou Hernán Cortez da fuga de Tenochtitlán. Nossa Senhora dos Remédios será vestida de generala e o pelotão de fuzilamento crivará de balas o estandarte da Virgem de Guadalupe, por ordem do vice-rei.
Mãe, rainha e deusa dos mexicanos, a Virgem de Guadalupe se chamava Tonantzin, entre os astecas, antes que o arcanjo Gabriel pintasse sua imagem no santuário de Tepeyac. Ano após ano acode o povo a Tepeyac, em procissão, Ave Virgem e prenhe, Ave donzela parida, sobe de joelhos até a rocha onde ela apareceu e a gruta de onde brotaram rosas, Ave de Deus possuída, Ave de Deus mais amada, bebe água de suas fontes, Ave que a Deus fazes ninho, e suplica amor e milagres, proteção, consolo, Ave Maria, Ave, Ave.
Agora a Virgem de Guadalupe avança matando pela independência do México.
Eduardo Galeano, in Mulheres

Nenhum comentário:

Postar um comentário