Toda
vez que o Adamastor aparece por aqui para serrar um cafezinho, já
sei que vou aprender alguma coisa. Poucos gigantes podem orgulhar-se
como ele por seu acúmulo de experiências de vida.
Também,
surgido no século XVI, no extremo sul da África, ter sobrevivido a
todas as tempestades marítimas a que foi submetido, vindo parar
deste lado do planeta, cheio de saúde e de sabedoria, isso não é
para qualquer um.
Nem
bem se estabeleceu em nosso país, descobriu que aqui as coisas
funcionam com certas peculiaridades muito nossas. Como precisasse de
trabalhar, procurou uma agência de empregos.
Então,
depois de preencher a ficha cadastral, foi encaminhado para o
endereço de uma empresa em que suas qualidades poderiam ser úteis.
Então uma descoberta interessante: o pistolão.
O
funcionário da agência repetiu aquela recomendação. Com um
pistolão tudo fica mais fácil. Me contou que tinha, realmente, uma
pistola em casa. Antiga, dos tempos do Vasco da Gama, mas apta ainda
para o exercício da defesa pessoal. E grande, porque pistola de
gigante só pode ser grande. A Tétis que o diga.
No
caminho de seu futuro emprego, confessou que às vezes sentia-se
confuso. Em que lhe poderia ser útil o pistolão?
Ao
ser atendido pelo encarregado da seção de RH, e depois de ter
preenchido todos os formulários em que expunha tudo de sua vida, na
entrevista não resistiu mais à curiosidade.
Por
que carregava na cintura uma pistola grande como aquela? E mostrou ao
funcionário da empresa, que entendeu o engano e soltou uma
estrepitosa gargalhada.
− Um
pistolão, seu Adamastor? Um pistolão? Foi isso que lhe recomendaram
trazer?
Sem
recomendação de alguém importante, não se conseguiam empregos
privados e muito menos públicos. Mas o recomendante, é claro, não
acompanhava o recomendado.
Certo?
Por isso, redigia uma carta fazendo a apresentação do portador,
cujas virtudes e habilidades exaltava. Era uma espécie de fiador das
qualidades de seu recomendado.
A
carta, em latim, era chamada de epístola, como ainda hoje aparece
algumas vezes. Mas o caso latino em que as palavras escorregaram para
nossa língua era o acusativo. Portanto, epistolam.
Quem quisesse uma colocação, uma boa colocação, tinha, e ainda
tem, de conseguir um bom padrinho. E era com a epistolam
do padrinho que se apresentava o candidato.
Foi
fácil o caminho. A
epistolam,
que viajava no bolso interno do paletó, transformou no pistolão,
que viajou na cintura do Adamastor.
Rimo-nos
os dois bastante com o equívoco, e acabei aprendendo a origem de
mais uma expressão que aparentemente não tinha o menor sentido.
Assim é a língua: cheia de histórias.
Menalton
Braff, in www.cartacapital.com.br
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