O
aprazível de ver estes frutos, e a frescura que sai destas árvores
frondosas, são — disse o Mestre, — outras tantas solicitações
da natureza para que nos entreguemos às melhores delícias de um
pensamento sereno. Não há melhor hora para a meditação da vida,
ainda que seja inútil, do que esta em que, sem que o sol esteja no
ocaso, já a tarde perde o calor do dia e parece que sobe vento do
arrefecimento dos campos.
São
muitas as questões em que nos ocupamos, e grande é o tempo que
perdemos em descobrir que nada podemos nelas. Pô-las de parte, como
quem passa sem querer ver, fora muito para homem e pouco para deus;
entregarmo-nos a elas, como a um senhor, fora vender o que não
temos.
Sossegai
comigo à sombra das árvores verdes, em que não pesa mais
pensamento que o secarem-lhes as folhas quando vem o outono, ou
esticarem múltiplos dedos hirtos para o céu frio do inverno
passageiro. Sossegai comigo e meditai quanto o esforço é inútil, a
vontade estranha; e a própria meditação, que fazemos, nem mais
útil que o esforço, nem mais nossa que a vontade. Meditai também
que uma vida que não quer nada não pode pesar no decurso das
coisas, mas uma vida que quer tudo também não pode pesar no decurso
das coisas, porque não pode obter tudo. E o obter menos que tudo não
é digno das almas que solicitam a verdade.
Mais
vale, filhos, a sombra de uma árvore do que o conhecimento da
verdade, porque a sombra da árvore é verdadeira enquanto dura, e o
conhecimento da verdade é falso no próprio conhecimento. Mais vale,
para um justo entendimento, o verdor das folhas que um grande
pensamento, pois o verdor das folhas, podeis mostrá-lo aos outros, e
nunca podereis mostrar aos outros um grande pensamento. Nascemos sem
saber falar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida
entre o silêncio de quem está calado e o silêncio de quem não foi
entendido, e em torno disto, como uma abelha em torno de onde não há
flores, paira incógnito um inútil destino.
Fernando
Pessoa, in A hora do diabo e outros contos
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