“'Vejamos,
que vem a ser isto que me perturba?', perguntou Levine a si próprio,
sentindo, no fundo da sua alma, a solução para as suas dúvidas,
embora ainda não soubesse qual fosse. 'Sim, a única manifestação
evidente e indiscutível da divindade está nas leis do bem, expostas
ao mundo pela revelação que sinto dentro de mim e me identifica,
quer queira quer não, com todos aqueles que como eu as reconhecem. É
esta congregação de criaturas humanas comungando na mesma crença
que se chama Igreja. Mas o judeus, os muçulmanos, os budistas, os
confucionistas?', disse para si mesmo, repisando o ponto delicado.
'Estarão eles entre milhões de homens privados do maior de todos os
benefícios, do único que dá sentido à vida?... Ora vejamos',
continuou, após alguns instantes de reflexão, 'qual é o problema
que eu a mim mesmo estou a pôr? O das relações das diversas
crenças da humanidade com a Divindade? É a revelação de Deus no
Universo, com os seus astros e as suas nebulosas, que eu pretendo
sondar. E é no momento em que me é revelado um saber certo
inacessível à razão que eu me obstino em recorrer à lógica!
'Eu
bem sei que as estrelas não caminham', prosseguiu, notando a mudança
que se operara na posição de um planeta que subia por detrás de
uma bétula. No entanto, incapaz de imaginar a rotação da Terra, ao
ver as estrelas mudarem de lugar, tenho razão quando digo que elas
caminham. Teriam os astrônomos
chegado a compreender tudo isto, teriam chegado a calcular alguma
coisa se porventura houvessem tomado em consideração movimentos da
Terra tão variados e complicados? As surpreendentes conclusões a
que eles chegaram sobre a distância, o peso, o movimento e as
revoluções dos corpos celestes não terão por ponto de partida os
movimentos aparentes dos astros em torno da Terra imóvel, estes
mesmos movimentos de que eu sou testemunha, como milhões de homens o
foram e o serão durante séculos e que sempre podem vir a ser
verificados? Pela mesma razão que as conclusões dos astrônomos
seriam vãs e inexatas se não fossem deduzidas das observações do
céu aparente, em relação a um único meridiano e a um único
horizonte, também as minhas deduções metafísicas se veriam
privadas de sentido se eu as não fundamentasse neste conhecimento do
bem inerente ao coração de todos os homens e de que eu tive,
pessoalmente, a revelação, graças ao cristianismo, e que sempre me
será dado verificar na minha alma. As relações das outras crenças
com Deus continuarão para mim insondáveis, e eu não tenho direito
de as perscrutar.”
Leon
Tolstoi,
in
Ana Karenina
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