“Enfastiavam-me
as aulas, salvo as de literatura — que aprendia de cor — e tinha
nelas um protagonismo único. Aborrecido de estudar, deixava tudo à
mercê da boa sorte. Tinha um instinto próprio para pressentir os
pontos álgidos de cada matéria e quase adivinhar os que mais
interessavam aos professores para não estudar o resto. A realidade é
que não entendia por que devia sacrificar engenho e tempo em
matérias que não me interessavam e, pela mesma razão, não me iam
servir para nada numa vida que não era minha.
Atrevi-me
a pensar que a maioria dos meus professores me classificava mais pela
minha maneira de ser do que pelos meus exames. Salvavam-me as minhas
respostas imprevistas, as minhãs ideias dementes, as minhas
invenções irracionais. No entanto, quando acabei o quinto ano, com
sobressaltos acadêmicos
que não me sentia capaz de superar, tomei consciência dos meus
limites. O bacharelato tinha sido até então um caminho empedrado de
milagres, mas avisava-me o coração que no final do quinto me
esperava uma muralha intransponível. A verdade sem adornos era que
me faltava já a vontade, a vocação, a ordem, o dinheiro e a
ortografia para embarcar numa carreira acadêmica.
Melhor dizendo: os anos voavam e não fazia a mínima ideia do que ia
fazer da minha vida, pois havia de passar ainda muito tempo antes de
me aperceber de que mesmo esse estado de derrota era propício,
porque não há nada deste mundo nem do outro que não seja útil
para um escritor.”
Gabriel
García Márquez,
in
Viver para Contá-la
Nenhum comentário:
Postar um comentário