domingo, 28 de setembro de 2014

Um silêncio

Ela descalçou os chinelos
e os arrumou juntinhos
antes de pôr a cabeça nos trilhos
em cima do pontilhão,
debaixo dos qual as lavadeiras amavam.
O barulho do baque com o barulho do trem.
Foi só quando a água principiou a tingir
a roupa branca que dona Dica enxaguava
que ela deu o alarme
da coisa horrível caída perto de si.
Eu cheguei mais tarde e assim vi para sempre:
a cabeleira preta,
um rosto delicado,
do pescoço a água nascendo ainda alaranjada,
os olhos belamente fechados.
O cantor das multidões cantava no rádio:
“Aço frio de um punhal foi teu adeus pra mim”.
Adélia Prado

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