Nas viradas de ano costuma-se fazer muitos votos.
De felicidade, saúde, amor, harmonia e paz. Costuma-se fazer votos de sucesso
também. A propósito, o sucesso nunca esteve tão na moda quanto hoje. Nossos
dicionários dizem que a palavra vem do latim successus e significa “aquilo que
sucede, acontecimento, fato, ocorrência; qualquer resultado de um negócio;
entrada, abertura; aproximação, chegada; bom êxito, triunfo, bom resultado;
pessoa ou coisa vitoriosa de grande prestígio e/ou popularidade (livro, filme,
peça teatral, autor, artista, etc.)”.
Na nossa era, porém, “sucesso” tem sentido mais
banal e comezinho. Ainda significa êxito e triunfo, mas nem sempre com mérito.
O sujeito pode fazer uma música ordinária e ser um “artista de sucesso”; o
anônimo pode vencer um game ridículo e patético na tevê e ser um “homem de
sucesso”; a moça bonita pode ter feito uma única coisa na vida: mostrou tripas
e útero na revista masculina, e isso basta para que ela seja imediatamente
alçada à condição de “mulher de sucesso”; o jogador mediano, longe de ser um
gênio, teve um dia inspirado (ou um empresário de gênio) e se tornou assim, em
minutos, um “atleta de sucesso”...
O sucesso tornou-se um valor em si, não a
consequência de um empreendimento, necessariamente, e hoje está quase que
inevitavelmente associado à fama. Andam de braços dados. Se tem fama, tem
sucesso. Ledo engano. Conheço famosos que vivem a pão e água – logo, sem
“triunfo” –, e outros que fazem uma ginástica danada para manter o circo de
aparências.
Mas o que me interessa agora é falar sobre o
“fracasso”, primo-irmão do “sucesso”. Na canção “Velho Bode”, letra do genial
poeta Sergio Natureza, um e outro são postos lado a lado:“Você foi um sucesso /
na minha vida o meu lado do avesso... / você é um fracasso / do meu lado
esquerdo do peito...” A música, parceria com o compositor Sérgio Sampaio, não
foi um grande sucesso popular, mas tornou-se um hit cult, “maldito”, como quase
toda a obra de Sampaio, ele próprio dono de uma biografia intrigante, uma
história clássica de ascensão e declínio. Em 1973, o artista capixaba emplacou
o mega-hit “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, cujo compacto (para os com
menos de 30 anos, “pequeno single de vinil”) vendeu 500 mil cópias, cifra
astronômica para a época. A marcha-rancho lírica e de refrão poderoso tornou-se
um hino contra a repressão política e social daqueles tempos de domínio
militar.
Depois desse grande sucesso pontual, Sergio
gravaria três álbuns antológicos que passaram despercebidos pelo grande
público, o que o fez amargar um ostracismo cruel que o levaria à morte
prematura em 1994, vitimado por uma pancreatite. Hoje, começa a ser descoberto
e gravado por novos artistas e bandas e a ter o seu tamanho artístico
justamente avaliado.
O baiano Tom Zé, um dos fundadores do tropicalismo
e hoje uma lenda viva da música brasileira, já disse ao que veio na chegada,
quando se apresentou nos anos 60 no programa de calouros “Escada para o
Sucesso” cantando a sátira explícita “Rampa para o Fracasso”. Contam que, no
final dos anos 80,Tom Zé estaria desiludido com a carreira por conta dos
“fracassos” de seus discos e sem o espaço devido na mídia e nos palcos. Estava
de malas prontas para voltar à sua natal Irará, onde iria administrar o posto
de gasolina de um parente, quando recebeu o telefonema de David Byrne,
bandleader da icônica banda Talking Heads e caçador de pérolas musicais. Byrne
teria descoberto seu disco “Estudando o Samba” num sebo e desejava lançá-lo
pelo LuakaBop, selo de sua propriedade e destinado a lançar suas descobertas
mundo afora. Daí por diante a história com final feliz é conhecida de quase
todos.
“Mantenha-se
forte diante do fracasso e livre diante do sucesso”, diz frase atribuída ao
gênio francês Jean Cocteau. Pode soar como um disparate esta outra frase do
mesmo autor que transcrevo a seguir, mas a meu ver ela trata do mesmo assunto:
“Deus não teria alcançado o grande público sem a ajuda do diabo.”
Zeca
Baleiro, in www.istoe.com.br
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