Wilson
voltou-se para Casy:
-
A Sairy pede pro senhor ir ver ela.
-
Pois não – disse o pregador. Foi até a pequena tenda cor de cinza que pertencia
aos Wilson e entrou. Fazia calor ali dentro e a poeira redemoinhava no ar. O colchão
estava estendido ao chão, e ao redor dele estavam espalhados os pertences do
casal, em desordem. Sairy estava deitada no colchão, os olhos muito abertos e
brilhantes. Ele parou ao pé do colchão e olhou-a, a cabeça curvada sobre o
pescoço musculoso. E tirou o chapéu e ficou a segurá-lo na mão.
Ela
disse:
-
Meu marido já disse que a gente não podia continuar a viagem?
-
já, sim, senhora.
A
voz dela, baixinha e harmoniosa, tornou a soar:
-
eu queria que ele pudesse ir também. Sabia que não iria viver o bastante para
chegar até onde pretendíamos, mas queria que ao menos ele chegasse. Mas ele não
quer. Ele não sabe; pensa que eu vou ficar boa. É que ele não sabe.
-
ele disse que não quer ir.
-
Sim, ele é teimoso. Pedi por senhor vir aqui pra rezar por mim.
-
Mas eu não sou um pregador mais – disse ele em voz baixa. – Minhas rezas não
adiantam.
Ela
fez um muxoxo.
-
Eu vi o senhor fazer uma prece, quando Avô morreu.
-
Mas isso não era uma prece.
-
Era sim. Eu ouvi.
-
Eu já não era um pregador.
-
Mas era uma bonita prece. Queria que o senhor dissesse uma assim por mim.
-
Não sei o que dizer.
Ela
cerrou os olhos por um instante e logo tornou a abri-los.
-
Então diga para si mesmo. Não precisa dizer alto. Serve assim mesmo.
-
Eu não tenho mais Deus – disse ele.
-
Tem sim, eu sei que tem. Não importa o senhor saber ou não como ele se parece.
O
pregador curvou a cabeça. Ela olhou-o com a preensão. E, quando ele tornou a
erguer a cabeça, ela parecia aliviada.
-
Isso foi bom – disse ela. – Era o que eu queria. Alguém perto de mim rezando.
Ele
sacudiu a cabeça, como se quisesse despertar-se.
-
Não compreendo... não entendo isto tudo – disse.
E
ela replicou:
-
Sim, o senhor sabe. Não é verdade?
-
Eu sei, eu sei, mas não entendo – disse ele. – Eu... bem, daqui a alguns dias a
senhora com certeza estará boa e poderá continuar a viagem.
Ela
moveu a cabeça vagarosamente.
-
Eu não passo de um montão de sofrimentos, coberto de pele. Sei o que é, mas não
quero dizer a ele. Ele ia ficar muito triste. Não adiantava, mesmo, dizer. Que é
que ele ia fazer? Talvez de noite, quando ele estiver dormindo... quando
acordar e ver, talvez não seja tão ruim assim.
-
A senhora quer que eu fique aqui com a senhora?
-
Não – disse ela. – Não. Quando eu era criança, gostava muito de cantar. O povo
dizia que eu cantava tão bem como Jenny Lind. E todo mundo vinha me ouvir
cantar. E, quando eles me ouviam, ficavam bem junto de mim. E eu ficava muito
satisfeita, muito grata. Não acontece muitas vezes muitas vezes a gente ser tão
feliz, sentir os outros tão próximos à gente... como daquela vez que todos eles
me cercavam. Pensava até em cantar um dia no palco, mas não foi possível. E agora
sou feliz. Não tinha ninguém que eu pudesse sentir próximo a mim, agora, e por
isso pedi para o senhor vir aqui e rezar por mim. Queria sentir mais uma vez
que tinha alguém perto. Cantar ou rezar, é a mesma coisa. Só gostaria que o
senhor pudesse me ouvir cantar.
Ele
olhou-a bem nos olhos.
-
Bom, até logo – disse.
Novamente, ela sacudiu com vagar a cabeça,
apertando os lábios. E o pregador deixou a tenda obscura e viu-se sob a luz do
dia que morria.
John
Steinbeck, in As Vinhas da Ira
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