“Trocava tudo que
eu fiz por ‘Ai se eu te pego”, disse o músico durante sua primeira apresentação
instrumental
O cenário simples que compunha o palco podia ser visto como uma
pequena metáfora do que estaria por vir. No fundo, uma cortina escura delimitava
o espaço dos músicos, uma espécie de parede composta de variadas formas,
como elementos urbanos e instrumentos musicais, todas coladas e bordadas
sobre o pano preto. Era um mosaico no qual um feixe de luz branco em círculo
na região central representava algo que poderia ser uma lua. Mas o que
importava e chamava atenção era o mosaico na “parede”. Talvez a melhor representação
gráfica de Tom Zé – um mosaico cultural.
Ao entrar no palco, o músico deixou seus 76 anos de idade em
algum lugar bem longe do Sesc Consolação, em São Paulo. Pulando e se dirigindo
à plateia, chamou ao seu lado cada um os músicos que o acompanhava: Daniel
Maia (guitarra), Jarbas Mariz (bandolim, viola 12 cordas e percussão),
Cristina Carneiro (teclados) Felipe Alves (contrabaixo) e Rogério Bastos
(bateria). O espetáculo foi marcado pela inquietude do músico, gesticulando
muito enquanto conversava com a plateia ao mesmo tempo em que se dirigia
para sua banda e falava fora do microfone voltando o rosto para a plateia se
desculpando por falar fora do microfone ao passo que o retirava do pedestal
para poder andar pelo palco para divagar na tentativa de recordar qual palavra
seria mais certeira para terminar a frase que falava.
Parte do projeto Instrumental Sesc Brasil, o
show teve transmissão ao vivo pela internet e foi gravado pela SescTV. Numa
mistura de ironia e prestação de serviços, Tom Zé precedia cada música
dizendo seu título, oportunidade para divertir o público. “Pessoal da TV,
fique esperto que essa é ‘Ave Dor Maria’. Ponham aí nas letrinhas para o pessoal
de casa”, disse antes de começar a tocar a primeira música da noite. Em outro
momento, arrancou gargalhadas da plateia ao dizer que a música que apresentaria
era “daquele disco com o cu na capa”, referindo-se ao álbum Todos
os Olhos (1973).
Tom Zé só se posicionaria no centro do palco na segunda metade do
show. Até esse momento, o músico apresentou-se sentado ao lado de sua banda,
dispostos num semicírculo que privilegiava o conjunto em si, não apenas
o cantor. Talvez um traço da “humildade grandiosa” que ele citaria mais
tarde naquela noite.
Em parte do show, Tom Zé ficou em um semi-círculo que privilegiava
a banda como um todo
Mosaico Instrumental
Todo o repertório era de canções repensadas para serem apresentadas
apenas na forma instrumental, sem a voz de Tom Zé. Segundo ele, foi um
grande desafio “arquitetar” o show, já que era a primeira vez em sua carreira
em que realizava esse tipo de apresentação. Por outro lado, a música instrumental
foi “uma descoberta de prazer para a banda”, segundo ele mesmo. Mas a motivação
para o show foi simples: “Lá em dezembro os músicos me falaram para aceitar
qualquer show que aparecesse no começo de janeiro para pagar as contas do
fim de ano”.
Na segunda canção apresentada, o mosaico de Tom Zé já estava
aberto e maravilhava a plateia. “Pisa na Fulô”, composição de João do
Vale, ganhou instrumentação de jazz, sem deixar a tradição nordestina
de lado. Foi uma mescla interessante e a parte curiosa ficou por conta do
pequeno instrumento amarelo que Tom Zé soprava, soltando um som parecido
com o barulho de patos.
Foi difícil para muitos da plateia permanecerem sentados
quando o triângulo de Jarbas Mariz começou a tinir e a tecladista Cristina
Carneiro transformou o som de suas teclas numa sanfona no arranjo instrumental
de “Xique-Xique”, “que é um sucesso em casa de forró”, como acertou Tom Zé. A
tecladista ainda protagonizou um dos momentos mais bonitos do show ao
tocar “Assum Branco” num solo de piano.
Outro
solo curioso foi o do baterista Rogério Bastos. Ele se movimentava para
tocar o instrumento, mas não encostava as baquetas na bateria. Os sons dos
pratos, bumbo e caixas eram todos simulados oralmente por Bastos. Um solo
de bateria sem tocar bateria. Quando falou sobre os músicos, Tom Zé fez questão
de dizer que não se tratava de uma banda, mas de um grupo. Além disso, falou que
quando foram tocar com ele tiveram que ter humildade. “Mas humildade não é
abaixar a cabeça e aceitar tudo. Humildade é grandeza”.
Guilherme Athaide, in www.revistaogrito.net10.uol.com.br
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