"Como
um tímido veterano, acho que já posso dar alguns conselhos às novas gerações de
envergonhados, jovens que estão recém-descobrindo o martírio de ter de
enfrentar este terror, os outros, e se lançando na grande aventura que é se
impor, se fazer ouvir, ter amigos, namorar, procriar e, enfim, viver, quando o
que preferia era ficar quieto em casa. Ou, de preferência, no útero.
Para
começar, algumas coisas que não funcionam. Tentei todas e não deram certo.
Decorar frase, por exemplo. Já fui com uma frase pronta para impressionar a
menina e na hora saiu 'Teus marilus verdes são como dois olhos, lagoa'. Também
resista à tentação de assumir um ar superior e dar a impressão de que você não
é tímido, é misterioso. Eu sou do tempo em que a gente usava chaveiro com
correntinha (além de tope e topete, tope de gravata enorme e topete duro de
Gumex) e ficava girando a correntinha no dedo enquanto examinava as garotas na
saída das matinês (eu sou do tempo das saídas de matinês). Um dia deu certo, a
garota veio falar comigo, ou ver de perto o que mantinha o topete em pé, foi
atingida pela hélice da correntinha e saiu furiosa. Melhor, porque eu não tinha
nenhuma fala pronta que correspondesse à pose. Evite, é claro, as manobras calhordas. Como identificar alguém tão tímido
quanto você no grupo e quando alguém, por sacanagem, lhe pedir um discurso,
passar a palavra imediatamente para ele. O mínimo que um tímido espera de outro
é solidariedade. E não há momento mais temido na vida de um tímido do que
quando lhe passam a palavra.
Tente
se convencer de que você não é o alvo de todos os olhares e de todas as
expectativas de vexame quando entra em qualquer recinto. No fundo, a timidez é
uma forma extrema de vaidade, pois é a certeza de que, onde o tímido estiver,
ele é o centro das atenções, o que torna quase inevitável que errará a cadeira
e sentará no chão, ou no colo da anfitriã. Convença-se: o mundo não está só
esperando para ver qual é a próxima que você vai aprontar. E mire-se no meu
exemplo. Depois que aposentei a correntinha e (suspiro) perdi o topete,
namorei, procriei, fiz amigos, vivi e hoje até faço palestras, ou coisas bem
parecidas. Mesmo com o secreto e permanente desejo, é verdade, de estar quieto
em casa."
Luís
Fernando Veríssimo
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