“Nós
combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar
aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de
expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem
metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura;
aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de
estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente
aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo,
nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário.
Mais
vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes
mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com
eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos
para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao
contrário.
Como,
com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma
ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E,
contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os
outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire
um significado lúdico; estaremos todos tão mal preparados para conseguirmos ver
as ações íntimas e os objetivos secretos de cada um de nós? Será que devemos
todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores
solitários, numa cela à prova de som, evocando as pessoas através das palavras
e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que
as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia?
Mantém-se o fato de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida.
O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as
compreender, e depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender. É
assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos. Talvez o melhor fosse
não ligar ao fato de nos enganarmos ou não sobre as pessoas e deixar andar. Se
conseguirem fazer isso - estão com sorte”.
Philip Roth, in Pastoral
Americana
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