Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça
do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da
incompreensão de nossa época. Eles esquecem o que têm de de mais humano e
sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações
de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há
mais almas humanas para morar neles?
Quero que
abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo. Peço-te que pegues a
minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o
Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com
uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente
no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham, nem
fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como
um deles.
Está claro que
não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à
espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de
criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos,
entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao
dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para
olhar os lírios do campo e as aves do céu.
Não penses
que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia,
ou acho que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na
“outra vida”. Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres
fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os
aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e
as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes
frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do
ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera
a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro
contemplativo.
Quando falo
em conquista, quero dizer a conquista duma situação decente para todas as
criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.
E quando
falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas
as desigualdades e malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim, à
aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas
amargas a que ela forçosamente nos há de levar.
Érico Veríssimo, in Olhai os lírios do campo
Nenhum comentário:
Postar um comentário