Osmair Camargo Cândido não revela a idade. “Todo
mistério atrai”, justifica. É um princípio que parece adotar também em sua
vida profissional. Afinal, como um apaixonado por Isaac Newton que se formou em
filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e também estudou alemão
concilia tais interesses com as funções que executa no Cemitério Araçá –
localizado no sugestivo número 666 da avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo.
Conhecido
no trabalho – e fora dele – como Fininho, Cândido era coveiro até quase dez
anos atrás. Hoje desempenha atividades administrativas, como a de localizar, no
sistema informatizado do cemitério, as fichas de pessoas que lá estão
enterradas.
“Das sete maravilhas do mundo, as pirâmides são túmulos. O Taj Mahal, na Índia, também é um túmulo. O homem primeiro sepulta para depois criar sua habitação” - Osmair Camargo Cândido, o Fininho
Osmair Camargo Cândido não revela a idade. “Todo
mistério atrai”, justifica. É um princípio que parece adotar também em sua
vida profissional. Afinal, como um apaixonado por Isaac Newton que se formou em
filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e também estudou alemão
concilia tais interesses com as funções que executa no Cemitério Araçá –
localizado no sugestivo número 666 da avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo.
Conhecido
no trabalho – e fora dele – como Fininho, Cândido era coveiro até quase dez
anos atrás. Hoje desempenha atividades administrativas, como a de localizar, no
sistema informatizado do cemitério, as fichas de pessoas que lá estão
enterradas.
Ele conta que pensou em estudar filosofia já aos
“dez ou 11” anos de idade, motivado pela necessidade de pensar. “Se você não
pensa, não sabe. E, se não sabe, como você é?”, divaga. Uma boa pergunta para
ser feita neste 16 de agosto, o Dia do Filósofo.
“Se você não sabe, você não é nada. No Brasil temos
muito disso, um bilhão de advogados, uma multidão de carcerários, o cara tem
compromisso com dinheiro, com o cliente, mas com quem é de fato esse
compromisso? Meu compromisso é com a filosofia, com a procura da verdade”,
define.
Fininho coloca em xeque – outra de suas predileções
é o jogo de xadrez – o conceito de gerenciamento no mercado de trabalho
contemporâneo. “Há 500 mil executivos em São Paulo, pra mais. Todo mundo é
gestor, gestor disso, gestor daquilo, e ninguém gerencia nada. É preciso
conhecimento ético profundo do que se está gerindo, saber por que e para quê.”
Percepção do todo
Há mais de 20 anos no Araçá, onde entrou por
concurso, diz ver o trabalho “como outro qualquer”. “Não se trata da principal
atividade de minha vida. Escrevo bastante e devo publicar um livro”, revela. E
cita que, antes de integrar o serviço funerário, já foi faxineiro, gráfico,
cartorário e office-boy.
Embora relativize a importância de seu emprego,
Cândido afirma existir uma relação entre os mausoléus e os ensinamentos
filosóficos que tanto preza.
“É a percepção do todo, da existência, da vida, da
morte. Do dito, do esquecido. A antropologia cultural, a antropologia social,
tudo isso pode ser visto no cemitério. Das sete maravilhas do mundo, as
pirâmides são túmulos. O Taj Mahal, na Índia, também é um túmulo. O homem
primeiro sepulta para depois criar sua habitação.”
Como parceiro de atividade funerária, cita o músico
Rod Stewart, que de fato manejou a pá antes de assumir a guitarra. “Dizem que o
poeta Luís Vaz de Camões também foi [coveiro]. Todo mundo quer ser bambambã,
mas às vezes não dá tempo”, filosofa.
O que mais o desagrada em um cotidiano tão próximo
da morte é o “embrutecimento”. “Você endurece. De certo modo, corre o risco de
se desumanizar.” Pergunto se a desumanização também não estaria presente em
outras atividades. “Mas aí é caricatamente”, replica.
Além da filosofia
Em sua trajetória, não faltam, claro, histórias
assombrosas. Em 1997, conta, deparou-se, na noite de uma sexta-feira 13 de
agosto, com um “cara” que gritava.
“Eu não conseguia identificar se era homem, se era
diabo, o que era. Ele correu, gargalhou alto e sumiu entre as sepulturas.
Alguma coisa diferente ele tinha, arremessei a pá contra ele várias vezes. Era
muito grande, muito forte e usava uma roupa boa, cara. Fiquei intrigado,
curioso. De que adiantaria eu ficar com medo?”
Em 1995, no Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha,
enterrou sozinho uma mulher que todos diziam ter sido assassinada. Quando
terminou o sepultamento, deixou sobre a terra, na altura dos pés do cadáver, a
corda que usava para segurar o caixão.
“Na manhã seguinte, saiu no jornal que ela
havia se enforcado”, lembra. “Fui procurar minha corda e a encontrei perto da
coroa de flores, bem na altura do pescoço. Aquilo foi chocante, só tinha eu lá.
Ninguém poderia ter movido aquela corda.”
Diante de tais relatos, pode-se entender melhor o
que ele quis dizer com a "percepção do todo".
Edson Valente, in noticias.uol.com.br
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