quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Toda noite o mesmo sonho


Mas tenho medo. Toda noite o mesmo sonho. Meu pai acorda, cutuca meu ombro com seu dedo médio arroxeado e me pergunta por que ele precisa continuar lutando para não morrer. Eu tento dizer que não tenho resposta para isso, mas minha boca parece colada, costurada por alguma linha que cirze meus lábios, e não consigo emitir som. Ele então caminha para a cama, devagar, pé ante pé, mesmo em sonho respeitando a idade e a doença que tem, deita, ajeita as cobertas, fecha os olhos e volta a dormir seu sono definitivo.
Quando acordo procuro por seus apelos negros, fechados. Falta-me coragem de soprar a resposta que sei, ele sabe, nos seus ouvidos. Dizer-lhe que vá, nada o prende deste lado. Mas sempre recuo, jamais passo do sussurro mental. Temo falar em voz alta a verdade, pois em seguida teria que pensar em mim, no que seria de mim depois que ele se fosse, quando não estivesse mais neste hospital, inerte nesta cama.
A situação de um jeito esdrúxulo me é cômoda, o café da manhã pago pela empresa de saúde, o almoço e jantar ao alcance de um elevador, o sofá-cama sempre com lençóis limpos e esterilizados. A semana transcorre de maneira natural, uma sucessão de dias, que no início eu contava pela programação da televisão. Foi perdendo a graça, as novelas não são tão boas como antigamente, as manchetes do dia, com a idade descobrimos, nos são irrelevantes. O próximo passo foi decorar o menu do restaurante do hospital: na segunda-feira, frango; na terça, peixe; na quarta, macarrão; quinta, novamente frango; na sexta, carne vermelha; sábado, feijoada – o que no início achei um absurdo, depois estranho, e ultimamente engraçado; e no domingo, peixe. Assim descobria o dia da semana, era confortável, previsível, e o que preciso neste hospital, na minha vida, é dessa previsibilidade morna, grudenta. Se sábado é dia de feijoada em todos os restaurantes, por que não no do hospital? Mas um dia veio carne na segunda-feira, macarrão na terça, peixe na quarta e na quinta, e desisti deste método.
Finalmente, o dinheiro. Não conto mais os dias da semana, mas sei quando é sexta-feira: o dinheiro acaba. Assim, encontrei um equilíbrio provisório, pelo menos até o preço das refeições aumentar.

Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém

Nenhum comentário:

Postar um comentário