Mas tenho medo. Toda noite o mesmo
sonho. Meu pai acorda, cutuca meu ombro com seu dedo médio arroxeado
e me pergunta por que ele precisa continuar lutando para não morrer.
Eu tento dizer que não tenho resposta para isso, mas minha boca
parece colada, costurada por alguma linha que cirze meus lábios, e
não consigo emitir som. Ele então caminha para a cama, devagar, pé
ante pé, mesmo em sonho respeitando a idade e a doença que tem,
deita, ajeita as cobertas, fecha os olhos e volta a dormir seu sono
definitivo.
Quando acordo procuro por seus apelos
negros, fechados. Falta-me coragem de soprar a resposta que sei, ele
sabe, nos seus ouvidos. Dizer-lhe que vá, nada o prende deste lado.
Mas sempre recuo, jamais passo do sussurro mental. Temo falar em voz
alta a verdade, pois em seguida teria que pensar em mim, no que seria
de mim depois que ele se fosse, quando não estivesse mais neste
hospital, inerte nesta cama.
A situação de um jeito esdrúxulo me
é cômoda, o café da manhã pago pela empresa de saúde, o almoço
e jantar ao alcance de um elevador, o sofá-cama sempre com lençóis
limpos e esterilizados. A semana transcorre de maneira natural, uma
sucessão de dias, que no início eu contava pela programação da
televisão. Foi perdendo a graça, as novelas não são tão boas
como antigamente, as manchetes do dia, com a idade descobrimos, nos
são irrelevantes. O próximo passo foi decorar o menu do restaurante
do hospital: na segunda-feira, frango; na terça, peixe; na quarta,
macarrão; quinta, novamente frango; na sexta, carne vermelha;
sábado, feijoada – o que no início achei um absurdo, depois
estranho, e ultimamente engraçado; e no domingo, peixe. Assim
descobria o dia da semana, era confortável, previsível, e o que
preciso neste hospital, na minha vida, é dessa previsibilidade
morna, grudenta. Se sábado é dia de feijoada em todos os
restaurantes, por que não no do hospital? Mas um dia veio carne na
segunda-feira, macarrão na terça, peixe na quarta e na quinta, e
desisti deste método.
Finalmente, o dinheiro. Não conto
mais os dias da semana, mas sei quando é sexta-feira: o dinheiro
acaba. Assim, encontrei um equilíbrio provisório, pelo menos até o
preço das refeições aumentar.
Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém

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