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Em 1453, Constantinopla caiu para os
turcos otomanos e muitos dos eruditos gregos que tinham fundado
escolas nas praias do Bósforo partiram para a Itália. Veneza
tornou-se o novo centro do saber clássico. Cerca de quarenta anos
depois, o humanista italiano Aldus Manutius (que ensinara latim e
grego a alunos brilhantes como Pico del a Mirandola), achando difícil
ensinar sem dispor de edições cuidadosas dos clássicos em formatos
práticos, decidiu exercer as artes de Gutenberg e criou uma editora
própria, na qual poderia produzir exatamente o tipo de livro que
seus cursos pediam. Aldus escolheu Veneza para instalar sua
impressora, a fim de aproveitar a presença dos estudiosos orientais,
e provavelmente empregou como revisores e compositores outros
exilados, refugiados cretenses que haviam sido escribas. Em 1494,
Aldus começou um ambicioso programa de publicações que produziria
alguns dos volumes mais belos da história da imprensa: primeiro em
grego – Sófocles, Aristóteles, Platão, Tucídides e depois em
latim – Virgílio.
Horácio, Ovídio. Na concepção de
Aldus, esses ilustres autores deveriam ser lidos “sem
intermediários”. - na língua original e quase sem anotações e
glosas – e, para possibilitar aos leitores “conversar livremente
com os mortos gloriosos”, publicou livros de gramática e
dicionários junto com os textos clássicos. Não somente buscou os
serviços dos especialistas locais, como também convidou humanistas
eminentes de toda a Europa – inclusive luminares como Erasmo
de Roterdã – para ficar com ele em Veneza. Uma vez por dia, esses
estudiosos reuniam-se na casa de Aldus para discutir os títulos que
publicariam e que manuscritos seriam usados como fontes confiáveis,
repassando as coleções de clássicos estabelecidas nos séculos
anteriores. “Onde os humanistas medievais acumulavam, os
renascentistas discriminavam”, observou o historiador Anthony
Grafton. Aldus discriminava com olho infalível: à lista de
escritores clássicos acrescentou as obras dos grandes poetas
italianos, entre eles Dante e Petrarca.
À medida que as bibliotecas
particulares cresciam, os leitores começaram a achar os volumes
grandes não apenas difíceis de manusear e desconfortáveis para
levar de um lado a outro, como inconvenientes para guardar. Em 1501,
confiante no sucesso de suas primeiras publicações, Aldus respondeu
à demanda dos leitores produzindo uma coleção de livros de bolso
in-octavo – metade do tamanho do in-quarto –, impressos com
elegância e editados meticulosamente. Para manter baixos os custos
da produção, decidiu imprimir mil exemplares de cada vez, e, para
usar a página de forma mais econômica, utilizou um tipo
recém-desenhado, o itálico ou grifo, criado pelo talhador e
fundidor de tipos Francesco Griffo, que também talhou o primeiro
tipo romano no qual as maiúsculas eram menores do que as letras
ascendentes (altura total) da caixa baixa, a fim de assegurar uma
linha mais equilibrada. O resultado foi um livro que parecia muito
mais simples do que as edições manuscritas ornamentadas, aquelas
que haviam sido populares durante toda a Idade Média – um volume
de sobriedade elegante. O mais importante para o possuidor de uma
edição de bolso de Aldus era o texto, impresso com clareza e
erudição – não um objeto ricamente decorado. Um sinal de sua
popularidade pode ser visto na Lista de preços das prostitutas de
Veneza, de 1536 – um catálogo das melhores e piores madames
profissionais da cidade, no qual o viajante era informado sobre uma
certa Lucrezia Squarcia, “que se diz amante da poesia” e sempre
“traz consigo um livreto de Petrarca, um Virgílio e às vezes até
um Homero”.
O tipo itálico de Griffo (usado pela
primeira vez numa xilogravura que ilustrava uma coleção de cartas
de santa Catarina de Siena, impressa em 1500) atraía gentilmente a
atenção do leitor para a delicada relação entre as letras; de
acordo com o crítico inglês moderno sir Fracis Meynel, os itálicos
diminuíam a velocidade dos olhos do leitor, “aumentando sua
capacidade de absorver a beleza do texto”.
Uma vez que eram mais baratos do que
os manuscritos, em especial os iluminados, e tendo em vista que se
podia comprar um substituto idêntico caso algum exemplar se perdesse
ou fosse danificado, esses livros tornaram-se, aos olhos dos novos
leitores, símbolos não tanto de riqueza mas de aristocracia
intelectual, além de ferramentas essenciais de estudo. Os livreiros
e papeleiros haviam produzido, no tempo da Roma antiga e nos
primórdios da Idade Média, livros como mercadoria a ser comerciada,
mas o custo e o ritmo de sua produção engrandeciam os leitores com
uma sensação de privilégio por possuírem algo único. Depois de
Guttenberg, pela primeira vez na história centenas de leitores
possuíam exemplares idênticos do mesmo livro, e (até que um leitor
imprimisse no volume marcas particulares e uma história pessoal) o
livro lido por alguém em Madri era o mesmo lido por alguém em
Montpellier. O empreendimento de Aldus teve tanto sucesso que suas
edições logo foram imitadas em toda a Europa: na França, por
Gryphius, em Lyon, bem como por Colines e Robert Estienne em Paris:
nos Países Baixos, por Plantin em Antuérpia e Elzevir em Leiden,
Haia Utrecht e Amsterdã. Quando Aldus morreu, em 1515, os humanistas
que compareceram ao funeral colocaram em torno de seu caixão, como
sentinelas eruditas, os livros que escolhera com tanto carinho para
imprimir.
O exemplo de Aldus e de outros como
ele estabeleceu o padrão para no mínimo cem anos de impressão na
Europa. Mas, nos dois séculos seguintes, as exigências dos leitores
mudaram novamente. As numerosas edições de livros de todo tipo
ofereciam uma escolha ampla demais; a competição entre editores,
que até então apenas estimulara edições melhores e o interesse
maior do público, começou a produzir livros de qualidade muitíssimo
inferior. Na metade do século XVI, um leitor poderia escolher entre
mais de 8 milhões de livros impressos, “talvez mais do que todos
os escribas da Europa haviam produzido desde que Constantino fundara
sua cidade no ano de 330”. Obviamente, essas mudanças não foram
súbitas nem ocorreram em toda a Europa, mas, em geral, a partir do
final do século XVI “os livreiros-editores já não estavam
preocupados em prestigiar o mundo das letras: buscavam apenas
publicar livros cuja venda fosse garantida. Os mais ricos fizeram
fortuna em cima de livros com mercado garantido, reimpressões de
velhos sucessos, obras religiosas tradicionais e, sobretudo, dos Pais
da Igreja”. Outros monopolizaram o mercado escolar com glosas de
palestras eruditas, manuais de gramática e folhas para hornbooks,
uma espécie de cartilha.
O hornbook, em uso do século
XVI ao século XIX, era em geral o primeiro livro posto nas mãos de
um estudante. Muito poucos sobreviveram até nossos dias. O hornbook
consistia de uma fina armação de madeira, geralmente de carvalho,
com cerca de 23 centímetros de comprimento e doze ou quinze
centímetros de largura, sobre a qual ficava uma folha onde era
impresso o alfabeto e, às vezes, os nove números e o padre-nosso.
Tinha um cabo e era coberto com uma camada transparente de chifre,
para proteger da sujeira; a tábua e a folha de chifre eram então
presas por uma fina moldura de latão. O paisagista e discutível
poeta inglês Wil iam Shenstone descreve o princípio em The
schoolmistress [A professora] com estas palavras:
Seus livros de estatura pequena
eles tomavam nas mãos, Os quais com translúcido chifre seguros
estão,
Para impedir o dedo de molhar a
letra imaculada.
Livros semelhantes, conhecidos como
“tábuas de oração”, foram usados na Nigéria, nos séculos
XVIII e XIX, para ensinar o Corão. Eram feitos de madeira lustrada,
com um cabo na parte de cima. Os versos eram escritos numa folha de
papel colada diretamente na tábua.
Livros que cabiam no bolso, livros em
formato amigo, livros que o leitor sentia que podiam ser lidos em
muitos lugares, livros que não seriam considerados inoportunos fora
de uma biblioteca ou mosteiro: esses livros surgiram com as mais
variadas aparências. Ao longo do século XVII, mascates vendiam
pequenos livretes e baladas (descritos em The winter's tale
[Conto de inverno] como apropriados “a homem, ou mulher, de todos
os tamanho”.) que ficaram conhecidos como chapbooks no
século seguinte. O tamanho preferido dos livros populares foi o
in-octavo, uma vez que uma única folha podia produzir um livrete de
dezesseis páginas. No século XVIII, talvez porque agora os leitores
quisessem relatos completos dos eventos narrados nas histórias e
baladas, as folhas foram dobradas em doze partes e os livretes
engordaram para 24 páginas de brochura. A coleção de clássicos
produzida por Elzevir da Holanda nesse formato alcançou tal
popularidade entre os leitores menos abastados, que o esnobe conde de
Chesterfield foi levado a comentar: “Se por acaso tiveres um
clássico de Elzevir no bolso, não o mostre nem o mencione”.
A brochura de bolso como a conhecemos
hoje só surgiu muito tempo depois. A era vitoriana, que assistiu à
formação na Inglaterra da Associação dos Editores, da Associação
dos Livreiros, das primeiras agências comerciais, da Sociedade dos
Autores, do sistema de direitos autorais e do romance de um volume a
seis xelins, também foi testemunha do nascimento das coleções de
livros de bolso. Porém, os livros de formato grande continuaram a
entulhar as estantes. No século XIX, publicavam-se tantos livros em
formatos enormes que um desenho de Gustave Doré representa um pobre
funcionário da Biblioteca Nacional de Paris tentando carregar um
desses tomos imensos. O pano de encadernação substituiu o oneroso
couro (o editor inglês Pickering foi o primeiro a usá-lo, em seus
Diamond Classics de 1822), e, uma vez que era possível imprimir
sobre o tecido, ele logo foi utilizado para propaganda. O objeto que
o leitor tinha agora em mãos – um romance popular ou um manual de
ciências num confortável in-octavo encadernado em pano azul,
protegido às vezes com invólucros de papel nos quais também se
podiam imprimir anúncios – era muito diferente dos volumes
encadernados em marroquim do século anterior. Agora o livro era um
objeto menos aristocrático, menos proibitivo, menos grandioso.
Compartilhava com o leitor uma certa elegância de classe média que
era econômica, mas agradável – um estilo que o designer Wil
iam Morris transformaria numa indústria popular, mas que em última
análise – no caso de Morris - tornou-se um novo objeto de luxo: um
estilo baseado na beleza convencional das coisas do cotidiano.
(Morris, na verdade, modelou seu livro
ideal baseado nos volumes de Aldus.) Nos novos livros que atendiam à
expectativa do leitor na metade do século XIX, a medida de
excelência não era a raridade, mas uma combinação de prazer e
praticidade sóbria.
Surgiam bibliotecas em quartos-salas e
casas geminadas, e seus livros eram adequados à posição social do
resto da mobília.
Na Europa dos séculos XVII e XVIII,
pressupunha-se que os livros deveriam ser lidos no interior de uma
biblioteca pública ou particular. No século seguinte, os editores
publicavam livros que se destinavam a ser levados para fora, livros
feitos especialmente para viajar.
Na Inglaterra, a nova burguesia
desocupada e a expansão das ferrovias combinaram-se para criar um
súbito anseio por viagens longas, e os viajantes letrados
descobriram que precisavam de material de leitura com conteúdo e
tamanho específicos. (Um século depois, meu pai ainda fazia
distinção entre os livros encadernados em couro verde de sua
biblioteca, os quais ninguém tinha permissão para retirar daquele
santuário, e as "brochuras ordinárias" que ele deixava
amarelar e fenecer sobre a mesa de vime do pátio e que às vezes eu
resgatava e levava para o meu quarto, como se fossem gatinhos
perdidos.)
Em 1792, Henry Walton Smith e sua
esposa Anna abriram uma pequena banca de jornais na Little Grosvenor
Street, em Londres. W. H. Smith & Son, 56 anos depois, abriam a
primeira banca de livros de ferrovia, na estação de Euston, em
Londres. Logo estava vendendo coleções como Routledge's Railway
Library Travel er's Library Run & Read Library, Romances
Ilustrados e Obras Célebres. O formato desses livros apresentava
pequenas variações, mas eram principalmente in-octavos, com uns
poucos (Um cântico de Natal, de Dickens, por exemplo)
publicados em meio-octavo e encadernados em papelão. As bancas de
livros (a julgar por uma fotografia da banca de W. H. Smith em
Blackpool North, tirada em 1896) vendiam também revistas e jornais,
para que os viajantes tivessem ampla escolha de material de leitura.
Em 1841, Christian Bernhard Tauchnitz,
de Leipzig, havia lançado uma das mais ambiciosas coleções de
brochuras. Com a média de um título por semana, publicou mais de 5
mil volumes em seus primeiros cem anos, pondo em circulação algo em
torno de 50 a 60 milhões de exemplares. Embora a escolha dos títulos
fosse excelente, a produção não estava à altura do conteúdo. Os
livros eram um tanto quadrados, impressos em tipos minúsculos, com
capas tipograficamente idênticas, que não eram atraentes nem para
os olhos, nem para as mãos.
Dezessete anos depois, a editora
Reclam publicou em Leipzig uma edição em doze volumes de traduções
de Shakespeare. Foi um sucesso imediato, ao qual a Reclam deu
seguimento subdividindo a edição em 25 pequenos volumes com capa em
papel cor-derosa, ao preço sensacional de 1 pfennig decimal cada.
Todas as obras escritas por autores alemães mortos havia trinta anos
caíram em domínio público em 1867, e isso permitiu que a Reclam
desse continuidade à coleção com o título de
Universal-Bibliothek.
A editora começou com o Fausto
de Goethe e prosseguiu com Gogol, Pushkin, Björnson, Ibsen, Platão
e Kant. Na Inglaterra, coleções de “clássicos” – New Century
Library, World's Classics, Pocket Classics, Everyman Library –
competiram em sucesso, mas sem superá-la, com a
Universal-Bibliothek, que durante muito tempo continuou a ser o
padrão das coleções em brochura.
Até 1935. Um ano antes, depois de
passar um fim de semana na casa de Agatha Christie e seu segundo
marido, em Devon, o editor inglês Al en Lane, esperando o trem para
voltar a Londres, procurou algo para ler na banca de livros da
estação. Não achou nada que o atraísse entre as revistas
populares, os livros de capa dura, e a ficção barata, ocorrendo-lhe
então que era necessária uma linha de livros de bolso baratos, mas
bons.
De volta a The Bodley Head, onde
trabalhava com seus dois irmãos, Lane pôs o plano em ação.
Publicariam uma coleção de reimpressões dos melhores autores em
brochuras bem coloridas. Elas não atrairiam apenas o leitor comum:
seriam uma tentação para todos que soubessem ler, intelectuais ou
ignorantes. Os livros seriam vendidos não apenas em livrarias e
bancas de livros, mas em papelarias, tabacarias e casas de chá.
Na The Bodley Head, o projeto foi
recebido com desprezo pelos colegas mais velhos de Lane e pelos
editores, que não tinham interesse em vender-lhe direitos de
reimpressão de seus sucessos em capa dura. Os livreiros também não
se entusiasmaram, pois seus lucros diminuiriam e os livros seriam
“embolsados”, no sentido condenável da palavra.
Mas Lane perseverou e acabou obtendo
permissão para reimprimir vários títulos: dois já publicados por
The Bodley Head – Ariel, de André Maurois, e The
mysterious affair at Styles, de Agatha Christie – e outros de
autores de sucesso, como Ernest Hemingway e Dorothy L.
Sayers, além de obras de escritores
atualmente menos conhecidos como Susan Ertz e E. H. Young.
Agora Lane precisava de um nome para
sua coleção, “não um nome impressionante como World Classics,
nem meio condescendente como Everyman”. As primeiras
escolhas foram zoológicas: um golfinho, depois uma toninha (já
usada pela Faber & Faber) e finalmente um pinguim. Ficou assim:
Penguin.
Em 30 de julho de 1935, os primeiros
dez livros da Penguin foram lançados a 6 pence cada volume. Lane
havia calculado que quebraria mesmo se vendesse 17 mil exemplares de
cada título, mas as primeiras vendas não passaram nem de 7 mil. Ele
então foi visitar o comprador da enorme cadeia de lojas Woolworth,
um tal de Clifford Prescott, que vacilou: a ideia de vender livros
como qualquer outra mercadoria, junto com pares de meias e latas de
chá, parecia-lhe um tanto ridícula. Por acaso, naquele exato
momento a senhora Prescott entrou no escritório do marido.
Consultada sobre o que achava da ideia, manifestou-se com entusiasmo.
Por que não, perguntou ela? Por que não tratar os livros como
objetos do dia-a-dia, tão necessários e tão disponíveis quanto
meias e chá? Graças à senhora Prescott, fechou-se o negócio.
George Orwel resumiu sua reação,
como leitor e como autor, a essa novidade: "Na qualidade de
leitor, aplaudo os Penguin Books; na qualidade de escritor,
excomungo-os.
[...] O resultado poderá ser uma
inundação de reimpressões baratas que irão prejudicar as
bibliotecas circulantes (a madrasta do romancista) e restringir a
publicação de novos romances. Isso seria uma coisa excelente para a
literatura, mas péssima para o negócio”.
Orwel estava errado. Mais do que suas
qualidades específicas (a ampla distribuição, o custo baixo, a
excelência e variedade dos títulos), a grande realização da
Penguin foi simbólica: saber que uma coleção imensa de literatura
podia ser comprada por quase todas as pessoas em quase todos os
lugares, de Túnis a Tucumán, das ilhas Cook a Reikjavik (são tais
os frutos do expansionismo britânico que comprei e li livros da
Penguin em todos esses lugares), deu aos leitores um símbolo de sua
própria ubiqüidade.
A invenção de novas formas para
livros é provavelmente infinita, e contudo poucas formas estranhas
sobrevivem. O livro em forma de coração feito por volta de 1475 por
um clérigo nobre, Jean de Montchenu, contendo poesias líricas
iluminadas; o minúsculo livrete na mão direita de uma jovem
holandesa da metade do século XVII, pintada por Bartholomeus van der
Helst; o menor livro do mundo, o Bloemhofje ou Jardim
fechado, que foi escrito na Holanda em 1673 e mede 0,8 por 1,25
centímetro, menor que um selo comum; o descomunal in-fólio de James
Audubon, Birds of America [Pássaros da
América], publicado entre 1827 e 1838, levando o autor a morrer
pobre, sozinho e louco; o par de volumes de tamanho liliputiano e
gigantesco das Viagens de Gulliver, criados em
1950 por Bruce Rogers para o Clube das Edições Limitadas de Nova
York – nenhum desses perdurou, exceto como curiosidade. Mas os
formatos essenciais – aqueles que permitem ao leitor sentir o peso
físico do conhecimento, o esplendor de grandes ilustrações ou o
prazer de poder carregar um livro numa caminhada ou levá-lo para a
cama – esses permanecem.
Na metade da década de 1980, um grupo
internacional de arqueólogos dos Estados Unidos, fazendo escavações
no enorme oásis Dakhleh, no Saara, encontrou, no canto de um andar
acrescentado a uma casa do século IV, dois livros completos: um
manuscrito antigo de três ensaios políticos do filósofo ateniense
Isócrates e um registro de quatro anos de transações financeiras
do administrador de uma propriedade local. Esse livro de
contabilidade é o mais antigo exemplo completo que temos de um
códice, ou volume encadernado, e é muito parecido com nossas
brochuras, exceto pelo fato de ser feito de madeira e não de papel.
Cada folha de madeira, de 12,5
centímetros de largura por 33 centímetros de altura e 1,5 milímetro
de espessura, tem quatro furos no lado esquerdo, para serem unidos
por um cordão em volumes de oito folhas. Uma vez que o livro deveria
ser usado durante quatro anos, tinha de ser “robusto, portátil,
fácil de usar e durável”. Com pequenas variações
circunstanciais, essas exigências do leitor anônimo persistem e
concordam com as minhas, dezesseis vertiginosos séculos depois.
Alberto Manguel, em A História da Leitura

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