Eles tinham uma pátria
O fogo tarda em arder.
Ruídos de ferro, perambular de
armaduras. O assalto a Santa Marta fracassou e o governador ditou a
sentença de arrasamento. Armas e soldados chegaram de Cartagena no
momento preciso e os tairona, esgotados por tantos anos de tributos e
escravidões, se espalharam na derrota.
Extermínio através do fogo. Ardem
povoados e plantações, milharais e algodoais, campos de mandioca e
batata, os pomares. Ardem os regadios e os celeiros que alegravam a
vista e davam de comer, os campos de lavoura onde os tairona faziam o
amor em pleno dia, porque nascem cegas as crianças feitas na
escuridão.
Quantos mundos iluminam estes
incêndios? O que estava e era visto, e o que estava e não era
visto...
Desterrados ao cabo de sessenta e
cinco anos de revolta, os tairona fogem pelas montanhas rumo aos
cantos mais áridos e distantes, onde não há peixe nem milho. Para
lá os expulsam, serra acima, para arrancar-lhes a terra e a memória:
para que lá longe se isolem e esqueçam, na solidão, os cantos de
quando estavam juntos, federação de povos livres, e eram poderosos
e vestiam mantas de algodão colorido e colares de ouro e pedras
fulgurantes: para que nunca mais lembrem que seus avós foram
jaguares.
Às suas costas, deixam ruínas e
sepulturas.
Sopra o vento, sopram as almas em
pena, e o fogo se afasta dançando.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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