61.
É nobre ser tímido, ilustre não
saber agir, grande não ter jeito para viver.
Só o Tédio, que é um afastamento, e
a Arte, que é um desdém, douram de uma semelhança de contentamento
a nossa.
Fogos-fátuos que a nossa podridão
geral, são ao menos luz nas nossas trevas.
Só a infelicidade elementar e o tédio
puro das infelicidades contínuas, é heráldico como o são
descendentes de heróis longínquos.
Sou um poço de gestos que nem em mim
se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus
lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim.
Sou ruínas de edifícios que nunca
foram mais do que essas ruínas, que alguém se fartou, no meio de
construí-las, de pensar em que construía.
Não nos esqueçamos de odiar os que
gozam porque gozam, de desprezar os que são alegres, porque não
soubemos ser, nós, alegres como eles... Esse sonho falso, esse ódio
fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca
e sobre o qual, altiva e única, a estátua do nosso Tédio se ergue,
escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável nimba vagamente de
segredo.
Benditos os que não confiam a vida a
ninguém.
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego
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