Meu querido Vermelindo,
Fico espantado com sua pergunta se é
essencial manter o paciente na ignorância quanto à sua própria
existência. Essa questão, ao menos para a fase presente da luta, já
nos foi respondida pelo Alto Comando. Nossa política para o momento
é de nos mantermos ocultos. Claro que isso nem sempre foi assim. Na
verdade, estamos nos deparando com um dilema curioso. Quando os seres
humanos deixam de acreditar em nossa existência, perdemos todas as
consequências prazerosas do terrorismo direto e deixamos de produzir
bruxos. Por outro lado, quando eles acreditam em nós, não temos
como torná-los materialistas e céticos. Pelo menos por enquanto.
Tenho muita esperança de que iremos aprender em pouco tempo como
apelar aos sentimentos e transformar em mito a ciência deles a ponto
de aquilo que é, com efeito, uma crença em nós (embora não com
esse nome) se infiltrará de mansinho, enquanto a mente humana
permanecerá fechada à crença na existência do Inimigo. A “Energia
Vital”, a veneração do sexo e alguns aspectos da Psicanálise
poderão ser bem úteis aqui. Se conseguirmos realizar nosso trabalho
perfeito — o bruxo materialista, o homem que não usa, antes,
cultua verdadeiramente ao que ele chama vagamente de “Forças” ao
mesmo tempo que nega a existência de “espíritos” —, então o
fim da guerra estará às portas. Mas, nesse meio tempo, deveremos
obedecer às ordens recebidas. Não acho que você terá muita
dificuldade para manter o paciente na escuridão. O fato de que os
“demônios” são figuras predominantemente cômicas na
imaginação moderna irá ajudá-lo. Se qualquer suspeita tênue de
sua existência começar a surgir na mente dele, sugira uma imagem de
uma entidade em trajes vermelhos e convença-o de que, já que ele
não pode acreditar nessas coisas (trata-se de um velho método de
manual para confundi-los), também não poderá acreditar em você.
Não esqueci da promessa que fiz de
avaliar se devemos tornar o paciente um extremo patriota ou um
extremo pacifista. Todos os extremos, exceto a devoção extrema ao
Inimigo, devem ser encorajados. Nem sempre, é claro, mas
principalmente nas condições atuais. Algumas épocas são apáticas
e complacentes, e o nosso trabalho é deixá-las ainda mais calmas e
embalá-las mais rapidamente no sono. Já outras eras, como a nossa,
são desequilibradas e inclinadas à facção, sendo o nosso dever
inflamá-las. Qualquer círculo de pessoas, reunidas por algum
interesse desprezado ou ignorado por outras, tende a se desenvolver
em um caldeirão de admiração mútua e também a gerar uma grande
quantidade de vaidade e ódio para com o mundo exterior, os quais são
alimentados sem nenhum pudor, tudo pela “causa”, que é seu
patrocinador e é considerada impessoal. Isso é assim, mesmo quando
o pequeno grupo existe originalmente para os propósitos próprios do
Inimigo. Queremos que a Igreja permaneça pequena não apenas para
que menos pessoas possam conhecer o Inimigo, mas também para que
aqueles que o conhecem possam adquirir a intensidade inquietante e o
falso moralismo defensivo de uma sociedade secreta ou de uma
panelinha. É claro que a Igreja em si é defendida com
veemência, portanto, não tivemos ainda sucesso em dar a ela todas
as características de uma facção; mas facções subordinadas
dentro dela muitas vezes produziram resultados admiráveis das partes
de Paulo e Apolo, em Corinto, até o baixo e o alto clero da Igreja
Anglicana.
Se o seu paciente puder ser induzido a
se tornar um contestador consciente, ele automaticamente se
identificará como membro de uma sociedade pequena, organizada,
impopular, mas com voz ativa, e os efeitos disso sobre alguém tão
recém-chegado ao cristianismo quase sempre serão positivos. Mas
apenas quase. Será que essa pessoa já teve sérias dúvidas sobre a
legalidade de servir em uma guerra justa antes da atual ter começado?
Será que ele é um homem de grande coragem física — tão grande
que não terá quaisquer dúvidas sobre os reais motivos de seu
pacifismo?
Será que, quando estiver bem perto da
honestidade (nenhum humano jamais estará muito perto), ele
vai se sentir completamente convencido de que agiu plenamente
impulsionado pelo desejo de obedecer ao Inimigo? Se ele for esse tipo
de homem, é provável que o seu pacifismo não nos faça muito bem,
e o Inimigo irá provavelmente protegê-lo das consequências usuais
de pertencer a uma facção. Sua melhor estratégia nesse caso seria
tentar provocar uma crise súbita, confusa e emocional, da qual
pudesse emergir como um convertido irrequieto em prol do patriotismo.
Esses fatores geralmente são manipuláveis. Mas se ele for o homem
que eu penso que é, tente o pacifismo.
No entanto, seja qual for a seita que
ele adotar, sua tarefa principal será a mesma. Comece por fazê-lo
tratar o patriotismo ou o pacifismo como parte de sua religião.
Depois, deixe-o, sob a influência do espírito partidário, chegar a
se referir a isso como a parte mais importante. Depois, silenciosa e
gradativamente, cuide para que ele alcance um estágio em que a
religião se torne meramente parte da “causa”, em que o
cristianismo passe a ser valorizado principalmente em razão dos
argumentos excelentes que é capaz de produzir em favor do esforço
britânico em prol da guerra ou do pacifismo. A atitude da qual você
deseja se proteger é aquela na qual os assuntos temporais são
tratados essencialmente como matéria de obediência. Uma vez que
você tenha feito do mundo um fim e da fé um meio, terá quase
conquistado o seu homem. E faz muito pouca diferença que tipo de fim
mundano ele esteja perseguindo. Desde que os encontros, as
panfletagens, as políticas, os movimentos, as causas e as cruzadas
importem mais para ele do que as orações, os sacramentos e a
caridade, ele será nosso — e quanto mais “religiosos” (nesses
termos) forem os homens, mais seguramente os teremos em nossas mãos.
Há jaulas repletas de gente desse tipo aqui embaixo.
Com carinho,
Seu tio, Maldanado
C. S. Lewis, em Cartas de um diabo a seu aprendiz

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