Once there was a way to get back
homeward
Once there was a way to get back
home
Sleep, pretty darling, do not cry
And I will sing a lullaby
Golden slumbers fill your eyes
Smiles awake you when you rise
Sleep, pretty darling, do not cry
And I will sing a lullaby
Pouca gente sabe, mas “Golden
Slumbers” é uma velha canção vitoriana inspirada num poema do
dramaturgo elisabetano Thomas Dekker. Um dia me deparei com essa
letra numa partitura de piano quando eu estava em Liverpool. Meu pai
tinha se casado de novo, com uma senhora que tinha uma filha, Ruth. A
minha madrasta e Ruth tocavam um pouco de piano. Até mesmo naquela
época, eu sempre espiava dentro do assento do piano, porque o
pessoal guardava as partituras ali dentro. Foi ali que achei “Golden
Slumbers” pela primeira vez.
Na época em que a canção original
foi escrita, os discos não eram facilmente disponíveis, e o povo
tinha que fazer seu próprio entretenimento. Você fica imaginando um
salão vitoriano com uma bela jovem se erguendo para cantar,
acompanhada de um bem-apessoado rapaz. Às vezes, podia ser o
contrário. Por conta dessa tradição, muitas casas tinham piano, e
as partituras de canções faziam sucesso incrível, como
“Alexander’s Ragtime Band”, de Irving Berlin, que vendeu
milhões. Por um bom tempo, as pessoas conheciam as canções novas
por meio das partituras em volta do piano da família.
Meu pai era o pianista da família
e, curiosamente, comprou o nosso piano vertical na loja de Harry
Epstein, a North End Music Store – também conhecida como NEMS –,
em Everton. O filho de Harry cresceu e se tornou Brian, o empresário
dos Beatles. Aquele piano vertical ficava em nossa sala na Forthlin
Road e foi onde eu compus coisas como “When I’m Sixty-Four”.
Mas papai não queria me ensinar a tocar: ele queria que eu
aprendesse piano de um modo mais formal. Ele não se achava bom o
suficiente e, como meus pais nutriam aspirações para nós, ele
queria que eu tivesse “aulas de verdade”. Frequentei umas aulas
de tempos em tempos, mas acabei me tornando praticamente autodidata,
assim como ele. Eu achava as aulas muito restritivas e chatas. Muito
mais interessante que praticar escalas era inventar canções.
Que eu saiba, papai só compôs uma
canção: “Walking in the Park with Eloise”. Nos anos 1970, nós
a gravamos com o Wings em Nashville, para que eu pudesse tocá-la
para ele, e a lançamos como um single sob o nome The Country
Hams. Convidei amigos como Chet Atkins e Floyd Cramer para tocar.
Mais tarde, contei a ele: “Pai, sabe aquela canção que o senhor
escreveu?”. E ele falou: “Não escrevi canção alguma, filho”.
Protestei: “Claro que escreveu. Sabe, ‘Walking in the Park with
Eloise’?”. E ele disse: “Não, eu não a escrevi. Eu a
inventei”.
Em nossa casa, a música era um grande
acontecimento. Freddie Rimmer, o amigo do pai na bolsa de comércio
de algodão, tocava piano na família dele. Então sempre tinha
alguém por perto que sabia tocar piano, e isso era uma coisa
maravilhosa, porque do nada as pessoas começavam a cantar, como nos
musicais. Depois da Primeira Guerra Mundial, quando meu pai era
jovem, a indústria fonográfica se ampliou, e os discos se
popularizaram. E o modo como as pessoas ouviam música foi mudando.
Mas a tradição se manteve nas festas de Ano-Novo, e sempre, na casa
dos McCartney, era aquela “função”. A bebida e o som do piano
fluíam com a mesma intensidade. Todos se reuniam em torno do piano
enquanto a criançada corria pela casa.
Para um menino como eu, isso sempre
foi uma coisa maravilhosa. Ao piano, alguém tocava aquelas canções
antigas que todo mundo conhecia, principalmente as tias; as tias
sabiam as letras na ponta da língua. E a camaradagem de todo o
pessoal em pé numa sala, se embriagando e entoando essas canções!
Era muito especial, uma atmosfera parecida com a do bailinho do conto
“Os mortos”, de James Joyce. Em minha infância, sempre achei que
a família McCartney era simples, mas agora percebo a sorte que eu
tive de crescer nesse tipo de família, em que as pessoas eram
decentes, boas e amigáveis. Não éramos ricos: ninguém tinha
dinheiro, mas isso era quase uma vantagem, porque tinham que fazer
tudo por conta própria.
Gostei muito da letra de “Golden
Slumbers” naquela partitura, e comecei a elaborar uma melodia para
ela. É o que podemos generosamente chamar de samplear, ou,
possivelmente, roubar. Mas, como eu não leio partituras, eu não
sabia a melodia original, então criei outra. É bem possível que eu
estivesse me sentindo deprimido em Londres. Ali estava eu, no
aconchego familiar de Liverpool, mas às voltas com os problemas dos
Beatles lá no sul, talvez pensando: “Não seria bom voltar pra
casa e ter de novo aquela sensação reconfortante?”. No fundo
talvez tenha havido um pouco disso. Não descarto essa possibilidade.
Quando escrevi a canção, fazia muito
tempo que eu não voltava para casa, em Liverpool. Mas agora lá
estava eu, em casa, ou melhor, na casa do meu pai, uma casa que
comprei para ele quando comecei a ganhar dinheiro – uma casa estilo
Tudor, de cinco quartos, em Heswall, perto do rio Dee. Mesmo assim,
era Liverpool e era “voltar pra casa”. Por isso, acrescentei:
“Once there was a way to get back homeward/ Once there was a way
to get back home”. A canção acabou se tornando muito emotiva,
e acho que foi isto que me atraiu nesta letra: essa ideia de ninar um
neném ou ler uma história para as crianças.
“Sleep, pretty darling, do not
cry/ And I will sing a lullaby”. Esses versos representam algo
com um sentimento parecido – as falas que pais e mães costumam
dizer aos filhos para acalmá-los na infância. Uma das coisas que eu
adoro ao compor canções, e ao incluir versos assim, é assistir a
um filme ou ouvir o rádio ou algo assim, e ser surpreendido com a
canção sendo interpretada por outra pessoa. Sinal de que acharam a
canção comovente. Eu simplesmente adoro isso. Um filme recente –
um filme de animação chamado Sing: quem canta seus males espanta
– usa “Golden Slumbers” na sequência inicial, e é muito
poderoso, e depois a canção volta no final, quando você já viu a
história toda e tudo deu certo.
Às vezes, o pessoal me pergunta se eu
me importo que façam versões diferentes de minhas canções ou se
estou preocupado que o significado original seja distorcido. E
respondo: “Não, longe disso. Adoro ouvir outra interpretação de
uma de minhas canções”. É um elogio o fato de alguém ter
pensado o suficiente na canção para querer fazer uma cover. E o
sensacional é que a próxima geração, se tiver assistido ao filme,
agora vai conhecer “Golden Slumbers”.
Melhor ainda é saber que meu pai
ouviu esta canção. Faleceu sete anos depois. Mas viveu o suficiente
para saber a grande influência que exerceu em minha vida.
Paul McCartney, em As Letras: 1956 até o presente

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