sexta-feira, 29 de agosto de 2025

1583 – Santiago do Chile

Foi livre por um instante

Ergue-se sobre as mãos e cai de bruços. Quer apoiar um cotovelo e escorrega. Consegue enterrar um joelho e afunda no barro.
De cara contra o barro, debaixo da chuva, chora.
Hernando Maravilla não tinha chorado durante os duzentos açoites que recebeu nas ruas de Lima a caminho do porto, e nem uma lágrima foi vista em sua cara enquanto recebia outras duzentas chibatadas aqui em Santiago.
Agora é açoitado pela chuva que arranca seu sangue seco e o barro dos tombos.
Desgraçado! Assim mordes a mão que te alimenta! – disse a dona, dona Antonia Nabía, viúva de longo luto, quando foi devolvido o escravo fugido.
Hernando Maravilla tinha escapado porque um dia viu uma mulher bela como uma bandeira e não teve mais remédio a não ser seguir seus passos. Foi agarrado em Lima e interrogado pela Inquisição. Foi condenado a quatrocentos açoites por ter dito que os casamentos os fez o diabo e que não era nada o bispo e que cagava para o bispo.
O que nasceu na África, neto de mago, filho de caçador, se retorce e chora, com as costas em carne viva, enquanto a chuva cai sobre Santiago do Chile.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

Nenhum comentário:

Postar um comentário