sábado, 15 de março de 2025

Um hemisfério numa cabeleira


Deixa-me respirar demoradamente, demoradamente, o odor de teus cabelos, neles mergulhar meu rosto, como um homem sedento na água de uma fonte, e agitá-los com minha mão como um lenço perfumado, para sacudir lembranças no ar.
Se pudesses saber tudo o que vejo! tudo o que sinto! tudo o que ouço em teus cabelos! Minha alma viaja no perfume como a alma dos outros homens na música.
Teus cabelos contêm todo um sonho, cheio de velames e mastreações; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas encantadores, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera é perfumada pelos frutos, pelas folhas e pela pele humana.
No oceano de tua cabeleira, entrevejo um porto fervilhante de cantos melancólicos, homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas, cujas arquiteturas finas e complicadas se recortam num céu imenso onde se refestela o eterno calor.
Nas carícias em tua cabeleira, encontro os langores das longas horas passadas num divã, no quarto de um belo navio, embaladas pelo balanço imperceptível do porto, entre vasos de flores e bilhas refrescantes.
Na ardente fornalha de tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado ao ópio e ao açúcar; na noite de tua cabeleira, vejo resplender o infinito do azul tropical; nas penugens que margeiam tua cabeleira embriago-me de odores combinados de alcatrão, almíscar e óleo de coco.
Deixa-me morder longamente tuas tranças pesadas e negras. Quando mordisco teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que estou comendo lembranças.

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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